quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Pelo movimento slowscience

Será que ninguém acha que há algo errado quando a quantidade se torna mais importante que a qualidade? Você caro leitor, já percebeu que ultimamente a grande maioria dos livros lançados por pesquisadores das Universidades não passam de coletâneas de artigos? Isto porque escrever livro demanda tempo e passar um tempo enorme fazendo uma pesquisa de fundo para escrever um livro nos dias de hoje... atrapalha a carreira!! Por quê? Porque atualmente o mais importante é a quantidade de artigos publicados em periódicos indexados, não o que verdadeiramente se pesquisou e escreveu. Como já disse até Miguel Nicolelis "Albert Einstein não seria pesquisador 1A do CNPq, porque ele não preenche todos os pré-requisitos – número de orientandos de mestrado, de doutorado…". Outro Exemplo? Provavelmente Marx sequer passaria num concurso para professor, afinal, ficou mais de 20 anos escrevendo um livro (O Capital) e sequer conseguiu terminar? Jamais conseguiria um financiamento do CNPq...

Enfim. Se estás cansado disto não és o único. Já corre o mundo o movimento slow science. Um dos manifestos você pode ler abaixo. E se concordar, assine o manifesto você também. O link para assinatura é: http://slowscience.fr/?page_id=8
O link para a página em português do movimento é: http://slowscience.fr/?page_id=68

Pesquisadores, professores, nós precisamos urgentemente desacelerar! Vamos nos libertar da síndrome da Rainha Vermelha! Pare de querer seguir cada vez mais rápido. Pare de querer seguir cada vez mais e mais rápido, o que resulta apenas em estagnação ou até mesmo retrocesso. Na mesma toada do Slow Food, Slow City e Slow Travel, nós criamos o movimento Slow Science.
Olhar, pensar, ler, escrever, ensinar. Tudo isso leva tempo e nós temos cada vez menos tempo para isso, se é que já não perdemos completamente esse tempo. Dentro e ao redor de nossas instituições, a pressão social promove a cultura do imediatismo e do urgente. Com produções em tempo real, os projetos vão e vêm em um compasso cada vez mais rápido. E nossas vidas profissionais não são as únicas vítimas dessa pressão: um colega que não está sobrecarregado e estressado é visto como excêntrico, apático ou preguiçoso – tudo em detrimento da ciência. A Fast Science, assim como a Fast Food, prima pela quantidade acima da qualidade.
Nós multiplicamos nosso projetos de pesquisa para angariar fundos para nossos laboratórios, que muitas vezes estão em condições deploráveis. Resultado: assim que acabamos de desenvolver um programa e, por mérito ou sorte, conseguimos financiamento, precisamos imediatamente pensar na próxima proposta, em vez de nos dedicarmos ao primeiro projeto.
Como os avaliadores e outros especialistas também estão sempre com pressa, nossos currículos são corriqueiramente avaliados somente pela sua extensão: quantas publicações, quantas apresentações, quantos projetos? Esse fenômeno cria uma obsessão pela quantidade na produção científica. Resultado: é impossível ler tudo, mesmo dentro de uma especialidade. Assim, muitos artigos nunca são citados e talvez nunca sejam lidos. Nesse contexto, é cada vez mais difícil localizar as publicações e apresentações que realmente importam – aquelas em que um colega despendeu meses, às vezes até anos, aperfeiçoando – entre outras milhares que são duplicadas, recortadas, recicladas, ou até mais ou menos “emprestadas”.
Claro que nossa formação deve ser “inovadora”, obviamente de “alta performance”, “estruturada” e adaptada ao “desenvolvimento de novas competências”. É difícil identificar as mudanças apropriadas em um mundo em movimento constante. Como resultado dessa corrida frenética rumo à “adaptação”, a questão do conhecimento fundamental a ser passado adiante – conhecimento que, por definição, não se altera – não está mais na agenda dos cientistas. O que importa é estar em sintonia com os tempos e, especialmente, mudar constantemente para manter a máquina em funcionamento.
Se aceitamos responsabilidades administrativas (conselhos universitários, departamentais ou administração de laboratórios), como todos somos obrigados a fazer durante nossa carreira acadêmica, somos automaticamente obrigados a preencher um número sem fim de formulários, muitas vezes dando a mesma informação e as mesmas estatísticas pela enésima vez. Ainda mais sério, o resultado da burocracia generalizada e da “encontrite” – a última, com o intuito de manter a aparência de colegialidade enquanto, em geral, acaba por esvaziar sua essência – é que ninguém tem tempo para nada: é preciso avaliar a submissão que foi recebida hoje para que seja implementada amanhã! E enquanto fazemos dessa situação uma caricatura, essa realidade se aproxima.
Essa degeneração da nossa atividade não é inevitável. Resistir à Fast Science é possível. Nós temos a chance de construir a Slow Science, dando prioridade a valores e princípios:
nas universidades, a pesquisa é o motor da educação, apesar dos ataques repetidos daqueles que sonham em eliminar a pesquisa das universidades francesas. É imperativo preservar ao menos 50% de nosso tempo à atividade de pesquisa, que determina a qualidade de tudo o mais. Em termos concretos, isso implica a rejeição de qualquer atividade que venha a confrontar-se com esses 50%.
pesquisar e publicar enfatizando a qualidade exige que todos nos concentremos nessas atividades por um período suficientemente longo. Para esse fim, nós necessitamos de períodos regulares sem responsabilidades administrativas ou de ensino (o direito de  se dedicar exclusivamente à pesquisa um semestre a cada 4 anos, por exemplo).
não devemos focar na quantidade no currículo. Universidades estrangeiras já apontam para este caminho ao limitar a cinco o número de publicações que podem ser mencionadas em submissões para doutorado ou uma vaga na universidade (“Reward quality not quantity”, Trimble, S.W., Nature, 467 : 789, 2010). Esse princípio pressupõe que devemos decidir, em colegiado e de forma transparente, como avaliar nossos cientistas pela qualidade de sua produção científica, não pela quantidade de publicações e comunicações.
nutrida pela pesquisa, a missão por excelência dos cientistas de uma universidade é passar o conhecimento adquirido adiante. Os membros dos institutos devem ter tempo para ensinar, através do aprimoramento de suas condições de trabalho. Quanto tempo é gasto em solucionar problemas práticos, muitas vezes triviais, e que estão além das atribuições de seu trabalho? O tempo gasto em tarefas administrativas e na “criação de modelos” deve ser reduzido. Os tão famosos “modelos” deveriam realizar apenas a tarefa de definir o currículo específico para uma disciplina em uma universidade. Não é necessário mudar esse quadro a cada quatro ou cinco anos, como é o caso atualmente.
em nossas tarefas administrativas, é preciso reivindicar tempo para estudar as questões que estão diante de nós. Para o interesse de todos, devemos analisar o conteúdo criticamente. Rejeite então a pequena democracia e colegialidade criadas ao votar em tópicos que, no melhor caso, só serão analisados superficialmente. Não há nenhuma razão para aceitar a ideologia da urgência, repetida ad nauseam pelo ministro e seus “administradores”.
De forma mais geral, nós não devemos esquecer que há vida fora da universidade. Nós precisamos de tempo para nossas famílias, nossos amigos, nosso lazer… para o prazer de não fazer absolutamente nada!
Se você concorda com esses princípios, assine a petição pela fundação do movimento Slow Science. Acima de tudo, permita-se um tempo antes de decidir assinar a petição ou não!
Joël Candau, October 29, 2010 (published July 17, 2011)
Tradução do inglês e do francês para o português: Janaisa Martins Viscardi (UNICAMP, Brasil)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Preciso ter sempre um livro na mão

Pequeno trecho da reportagem da Carta Capital sobre Sócrates:

Após a primeira internação, em agosto, Sócrates admitiu ter problemas com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Recusou, porém, a pecha de dependente químico. “Só tenho uma dependência, a intelectual. Preciso ter sempre um livro na mão.”

É preciso dizer mais alguma coisa? Sim: precisamos de mais viciados em livros. Nós ainda somos muito poucos.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Práticas de Morar

Palestra e debate com Pedro Fiori Arantes: Projeto habitacional e assistência técnica para autogestão.
No Auditório da Faculdade de Arquitetura da UFRGS.
Rua Sarmento Leite nº 320
Entrada Franca
SEXTA dia 9 de dezembro às 19:00 hs
Promoção: CIDADE - Centro de Assessoria e Estudos Urbanos
Apoio: LABES - Laboratório do Espaço Social - UFRGS
             Cidade Projeto - Laboratório de Pesquisa - PROPUR
             Misereor

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Atravessar a rua continua uma aventura

Uma experiência bem simples do Sakamoto: atravessar a rua (ou pelo menos tentar). Resultados? Previsíveis: mais motoristas não param e ainda por cima xingam o pedestre do que qualquer ato minimamente civilizado (que tal simplesmente parar na faixa? É pedir muito?). É o mesmo pessoal (o que não respeita pedestre) que depois reclama de impostos, de corrupção e se informa (ou se deforma?) lendo Veja e Caras.

Ok, agora siga o link e vá ao blog do Sakamoto ler o post.

Atravessar a rua em São Paulo continua uma aventura

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

David Harvey e o Enigma do Capital



Acaba de sair no Brasil um dos últimos livros de David Harvey, O enigma do capital. O press release oficial da editora boitempo encontra-se mais abaixo. Se você compreende bem o Inglês e não se importa em ler na tela do computador (ou em tablets, caso já tenha um), pode obter a versão em PDF aqui.




“O Partido de Wall Street teve seu tempo e falhou miseravelmente. Como construir uma alternativa a partir de sua ruína é tanto uma oportunidade imperdível quanto uma obrigação que nenhum de nós pode ou deveria jamais procurar evitar.” É com essa máxima que o geógrafo acadêmico mais citado do mundo, David Harvey, inicia seu novo livro, O enigma do capital: e as crises do capitalismo, o primeiro de sua autoria a ser lançado pela Boitempo Editorial.
Harvey parte da análise da crise do subprimeimobiliário de 2008 para demonstrar que, apesar de seu alcance e tamanho, ela não difere das crises passadas. Para tanto, o autor estuda as condições necessárias para a acumulação do capital e utiliza rigoroso arsenal teórico ao expor o papel fundamental que as crises têm na reprodução do capitalismo e os riscos sistêmicos de longo prazo que o capital representa para a vida no planeta.
Riscos sistêmicos estes, inerentes ao capitalismo de livre mercado, que os economistas não foram capazes de compreender quando a crise estourou e até hoje parecem não ter ideia do que são ou do que fazer com eles. “Quando os políticos e economistas especializados parecem tão inconscientes e indiferentes à propensão do capitalismo a crises, quando tão alegremente ignoram os sinais de alerta a seu redor e chamam os anos de volatilidade e turbulência iniciados nos anos 1990 de ‘a grande moderação’, então o cidadão comum pode ser perdoado por ter tão pouca compreensão em relação ao que o atinge quando eclode uma crise e tão pouca confiança nas explicações dos especialistas que lhe são oferecidas”, afirma o autor.
Nem sempre, porém, houve essa cegueira generalizada entre os economistas. Segundo Harvey, nos primeiros anos do capitalismo, economistas políticos de todos os matizes se esforçaram para entender os fluxos do capital, mas nos últimos tempos se afastaram do exercício de compreensão crítica para construir modelos matemáticos sofisticados, investigar planilhas e analisar dados sem fim. Qualquer concepção do caráter sistêmico desses fluxos foi perdida sob um monte de papéis, relatórios e previsões.
Com uma capacidade analítica singular, Harvey dirige-se de forma didática e acessível ao leitor pouco familiarizado com o jargão econômico ou marxista, sem ser simplista. Por meio da construção detalhada de cada conceito, torna a leitura gradativamente mais complexa na medida em que uma maior articulação é necessária para explicar a dinâmica do fluxo do capital, seus caminhos sinuosos e sua estranha lógica de comportamento, tarefa fundamental para explicar as condições em que vivemos atualmente.
O enigma do capital: e as crises do capitalismo desnuda as razões para o fracasso da sociedade de “livre mercado”, jogando por terra o argumento de que a crise financeira mundial, que começou em 2008 e está longe de acabar, não tenha precedentes. “Tento restaurar algum entendimento sobre o que o fluxo do capital representa. Se conseguirmos alcançar uma compreensão melhor das perturbações e da destruição a que agora estamos todos expostos, poderemos começar a saber o que fazer”, conclui o autor.

Ficha técnica
Título: O enigma do capital
Subtítulo: e as crises do capitalismo
Título original: The enigma of capital: and the crises of capitalism
Autor: David Harvey
Tradução: João Alexandre Peschanski
Páginas: 240
ISBN: 978-85-7559-184-0
Preço: R$ 39,00
Editora: Boitempo

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Kind of Blue



Só quem já escutou Kind of Blue (e digo escutar não no meio de um monte de conversa numa festa, mas realmente parar para prestar atenção) sabe que é quase impossível traduzir em palavras o som e o sentimento que sai dos sulcos daquele disco (sim! eu tenho em LP! E também CD, MP3... para todos os momentos e circunstâncias).

E saiu em português mais um livro sobre o álbum. Deixarei aqui só uma pequena citação sobre o mítico disco gravado no já distante ano de 1959:

"Se não podia ser imitado, o que aconteceu com o álbum foi algo muito mais interessante, um efeito que só pode ser entendido em retrospecto. A atmosfera de Kind of Blue - lenta, sedutora, sombria, meditativa, luminosa - tornou-se inescapável. Era como se Miles Davis tivesse encontrado algo mais profundo do que um mero apreço generalizado por um tipo de música em particular. Davis descobrira o desejo de mudar a paisagem da vida." Richard Williams. Kind of Blue: Miles Davis e o álbum que reinventou a música moderna. Rio de Janeiro: Casa da palavra, 2011, Pág. 08.


"Mudar a paisagem da vida". Parece bastante adequado para um geógrafo, não?

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Bolha imobiliária: um exemplo


Alguém duvida que exista uma bolha no mercado imobiliário? Vamos pegar o exemplo do edifício que aparece na foto. Mas antes que você pergunte, não importa que prédio é este especificamente. O motivo de usá-lo como exemplo é casual; não é uma discussão sobre o edifício em si. Como este exemplo há muitos outros em Porto Alegre e também nas áreas metropolitanas brasileiras.

Voltando: em março de 2009, havia um apartamento de 3 dormitórios à venda no prédio pelo preço de R$ 270.000,00. Agora, em novembro de 2011, há outro apartamento equivalente: 3 dormitórios e, coincidentemente, no mesmo andar daquele à venda em 2009. Preço de venda atual (como aparece no site da imobiliária que - novamente - não importa qual é): R$ 550.000,00. Diferença entre estas duas épocas? "Apenas" 103%!! Em um pouco menos de 3 anos! Inflação do período? Em torno de 18%. Adivinha quem se apropria destes ganhos? Não é nem mesmo o classe média que dispõe desta quantia e vai comprar o imóvel para morar.

Pergunta que não quer calar: até quando a classe média que se diz informada e inteligente aceitará ser explorada pelo mercado imobiliário em troca de algo etéreo como Status?

Para uma continuação da discussão sobre os preços do mercado imobiliário atual, recomendo este meu post publicado há pouco tempo atrás. Voltarei em breve a este tema.

domingo, 20 de novembro de 2011

Visões do Campus

Para onde vai a Geografia?


Corredores



Fotos tiradas pelo autor no Campus do Vale da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Processo de valorização dos imóveis

Na edição do dia 04 de novembro, o Jornal do Comércio de Porto Alegre trouxe uma reportagem com o título: “Moradores do Cristal rejeitam assentamentos”. Vale a pena ler pelo menos os dois primeiros parágrafos:
Moradores do bairro Cristal, zona Sul de Porto Alegre, reclamam que os assentamentos de famílias das áreas de invasão do Complexo da Tronco rebaixarão o valor de seus imóveis. O comitê criado pelos residentes da região reclama que não foi ouvido pela prefeitura sobre o destino dos grupos e que existem alternativas de áreas para erguer as moradias populares. Alguns terrenos desapropriados já teriam empreendimentos residenciais projetados. Dezoito dos 40 terrenos desapropriados para as edificações estão no Cristal. 

Outdoors chegaram a ser custeados pelo grupo para combater o que foi chamado de "desapropriações no coração do Cristal". Os materiais ficaram expostos por 15 dias, em pontos de grande visibilidade na região. "Não ao autoritarismo da prefeitura" foi uma das frases estampadas. Desde que o BarraShoppingSul foi erguido no bairro, os imóveis passaram a ser mais valorizados. "Tudo que ganhamos em preço vamos perder se os imóveis forem feitos aqui", argumentou o aposentado Lauro Rossler, do Comitê Permanente dos Moradores do bairro Cristal. A atriz e professora de teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Sandra Dany esclarece que o movimento não é contra as famílias que já ocupam vilas, vizinhas ao bairro. (…) Leia a reportagem completa aqui

Como é fácil notar, existem muitas coisas que podem ser comentadas: preconceito de classe (apesar de dizerem que não, são contra os pobres), individualismo (só estão pensando na valorização de seus próprios imóveis), etc. Não são estas coisas que quero comentar aqui. O que quero comentar na verdade é sobre um processo que é visto pela maioria das pessoas de forma equivocada: a valorização dos imóveis.

Os moradores estão preocupados porque “os assentamentos rebaixarão o valor de seus imóveis” e porque “Tudo que ganhamos em preço vamos perder se os imóveis forem feitos aqui”.

Ora, o que eles não se perguntaram é: a) como se valorizam os imóveis?; b) por que os imóveis deles se valorizaram?

É preciso ter pelo menos duas coisas em mente para responder às perguntas acima: a) a valorização não é o resultado da decisão (ou sorte) individual do proprietário do imóvel e b) quanto melhor os pobres morarem, maior a tendência à valorização dos imóveis das classes mais altas.

Vamos pensar na seguinte situação: digamos que você, caro leitor, seja proprietário de dois terrenos de mesmo tamanho, um no bairro Moinhos de Vento e outro no bairro Mário Quintana (um mapa atualizado dos bairros de Porto Alegre pode ser obtido aqui). Digamos também que você contrate um arquiteto e uma firma de engenharia/construção para erguer duas casas absolutamente iguais em cada um dos dois terrenos que você possui. Mesmo que os custos sejam absolutamente iguais, alguém duvida que a casa no Moinhos de Vento poderá ser vendida por um preço bem superior? Se os custos de produção são os mesmos, por que isto acontece?

Porque uma das coisas mais importantes capazes de diferenciar os preços na cidade é o que se chama de localização. E – desculpem – terei que usar um jargão acadêmico aqui, localização é um valor de uso produzido socialmente, não individualmente. A localização precisa ser entendida como: onde está situado o imóvel/terreno? O que existe no entorno imediato? Quais distâncias é necessário percorrer pra acessar bens e serviços como escolas, posto de saúde/hospitais, mercados, lojas e outros? Olhando o entorno mais imediato: A rua é asfaltada e bem conservada? Dispõe de iluminação pública? Rede de água e sistema de esgoto? Coleta de lixo? Existe transporte para a região (ônibus, trem, metrô, etc)? Em que quantidade? E em que qualidade?

Resumindo: quanto melhor for o acesso a outros lugares da cidade, a bens e serviços tanto público quanto privados, mais valorizado se torna uma casa/apartamento/terreno. Isto significa que toda localização é relativa. Como a expressão já diz, está relacionada com todo o seu entorno, tanto distante quanto mais imediato. Por isso se diz que a localização é produzida socialmente. Não são decisões individuais que valorizam imóveis, mas um conjunto complexo de fatores e investimentos tanto públicos quanto privados que valorizam partes da cidade em detrimento de outras.

Voltando para a reportagem: é dito que “desde que o BarraShoppingSul foi erguido no bairro, os imóveis passaram a ser mais valorizados”. Exatamente! A valorização não se deu porque os imóveis da classe média do Cristal são os melhores da cidade, nem porque os moradores são brancos de olhos azuis. A valorização foi externa a qualquer decisão individual destes proprietários que agora protestam contra os pobres. Não foram eles (os proprietários de classe média) que valorizaram seus imóveis, foi um conjunto de investimentos que não dependeu da vontade de nenhum deles que valorizou os imóveis que agora ocupam. Portanto, com que direito querem que a melhoria no bairro seja usufruída só por eles? Não se dão conta que o valorização só aumentará com a regularização fundiária e melhoria nas moradias do entorno?

Só para finalizar: já que parecem bem satisfeitos com esta valorização, que tal pagar impostos compatíveis que esta riqueza que ganharam sem fazer esforço nenhum, só pela localização dos imóveis?

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Nossas cidades: tragédia ou farsa?



“Todas as grandes cidades têm um ou vários 'bairros de má-fama' onde se concentra a classe operária. É certo ser frequente a miséria abrigar-se em vielas escondidas, embora próximas aos palácios dos ricos; mas em geral, é-lhe designada uma área à parte, na qual, longe do olhar das classes mais afortunadas, deve safar-se, bem ou mal, sozinha. Na Inglaterra, esses 'bairros de má-fama' se estruturam mais ou menos da mesma forma que em todas as cidades: as piores casas na parte mais feia da cidade; quase sempre, uma longa fila de construção de tijolos, de um ou dois andares, eventualmente com porões habitados e em geral dispostas de maneira irregular. Essas pequenas casas de três ou quatro cômodos e cozinha chamam-se cottages e normalmente constituem em toda a Inglaterra, exceto em alguns bairros de Londres, a habitação da classe operária. Habitualmente, as ruas não são planas nem calçadas, são sujas, tomadas por detritos vegetais e animais, sem esgotos ou canais de escoamento, cheias de charco estagnados e fétidos. A ventilação na área é precária, dada a estrutura irregular do bairro e, como nesses espaços restritos vivem muitas pessoas, é fácil imaginar a qualidade do ar que se respira nessas zonas operárias, onde, ademais, quando faz bom tempo, as ruas servem aos varais que, estendidos de uma casa a outra, são usados para secar roupa.” (F. Engels, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. ed. Boitempo, 2008, pág. 70)

Faça o exercício: substitua no texto acima Inglaterra por Brasil e Cottages por favelas. Pronto! Temos uma descrição atualíssima da situação nas cidades brasileiras (ou latino-americanas, africanas, asiáticas...). E, nunca é demais lembrar, o texto foi escrito originalmente há mais de 160 anos.

Já que começamos com citação, aqui vai mais uma, também sobre a Inglaterra, ainda que o autor seja nosso contemporâneo:

“Desde a construção das primeiras praças Bloomsbury, no século XVIII, os urbanistas não pararam mais de demolir habitações pobres e lojas humildes para erguer casas destinadas à classe média ou aos ricos. A propriedade privada e hereditária do solo possibilitou que essas mudanças fossem feitas com rapidez e pouca interferência pública. A 'renovação' urbana empurrou a pobreza, concentrando-a em lugares mais distantes. Em 1885, a Royal Comission on the Housing of the Working Classes observou: 
A destruição dos ninhos dos abutres [favelas em ruínas] traz grande benefício sanitário e social, mas nenhum tipo de habitação popular tem sido construído em seu lugar (…). A consequência de tal procedimento é que a população sem teto cresce, dispersando-se pelas ruas e pátios próximos às demolições (…) quando surgem as novas residências, pouco se faz para aliviar essa pressão.”
(Richard Sennet, Carne e Pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. ed. BestBolso, 2008, pág. 324)

A história de nossa urbanização não é exatamente a de periferização da pobreza? Mas nem precisamos pensar em termos históricos: é só lembrar as ameaças de remoção em todas as cidades brasileiras onde há “obras da Copa”.

Estamos repetindo - em nossas cidades - os defeitos do processo de urbanização na Europa, mas sem repetir a resolução destes problemas feita por essas mesmas cidades no século XX. O que só faz lembrar uma outra frase famosa do Marx, a primeira frase d'O 18 de Brumário de Louis Bonaparte: “Hegel observa algures que todos os grandes fatos e personagens da história universal aparecem como que duas vezes. Mas esqueceu-se de acrescentar: uma vez como tragédia e a outra como farsa.”

Até quando nossas cidades, além de trágicas, aparecerão como farsa?

sábado, 29 de outubro de 2011

A música do fim de semana é...

Estou ficando velho: tenho uma gravação em fita-cassete (!) dos dois LPs (!) lançados na década de 80 por uma gravadora cubana com o registro da apresentação do Dizzy em Havana. Participações especialíssimas de Arturo Sandoval (no trompete) e Gonzalo Rubalcaba (piano). Posteriormente, ambos saíram de Cuba e foram morar nos EUA. Não, eles não são "traidores da revolução". Pense bem: se você fosse um espetacular músico de Jazz, onde você gostaria de estar/trabalhar/morar?


A música é um clássico: Night in Tunisia. Enjoy it.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A pergunta do fim-de-semana é...


Caminhando pelas ruas do bairro Menino Deus (em Porto Alegre - para o caso de aparecer algum leitor de outra localidade) neste domingo um pouco antes das 14:00 hs, um fato me chamou a atenção. O ônibus do Sport Club Internacional, levando os atletas até o Beira-Rio, passou por mim. Não, não foi o fato de o Inter ter um ônibus que me chamou atenção, ou mesmo ele estar usando uma rota que leva ao estádio. Afinal, isto seria de se esperar. O que realmente chamou a atenção é que o ônibus foi precedido pelos batedores de moto da Polícia Militar, que interditavam o trânsito para a livre passagem do dito cujo.

Então a pergunta é: alguém conseguiria dar uma explicação realmente convincente do porque jogadores de futebol terem privilégios no trânsito? A pergunta atrelada a esta é: por que parece que todo mundo acha isto perfeitamente normal? Afinal, todos (os colorados, pelo menos) que estavam na rua neste momento acenavam e "comemoravam" a passagem dos jogadores, ainda que o vidro fumê tornasse impossível enxergar quem se encontrava dentro do ônibus.

Vejam bem: este post não é para falar mal de futebol, dizer que é o "ópio do povo" ou qualquer coisa semelhante. Eu mesmo acompanho futebol.

A verdadeira questão é a do uso de espaços públicos. A rua é um espaço público, ainda que o uso intensivo de automóveis signifique uma privatização disfarçada deste espaço e que o carro a transforme cada vez mais em um simples lugar de passagem, não de convívio como deveria ser. Pois bem, não bastasse isso, ainda parece haver pessoas que tem privilégios no uso deste espaço que - repito - é público! Quando eu estou atrasado para ir ao trabalho, não aparece nenhum policial para fazer o ônibus que eu tomo até o Campus do Vale andar mais livre e rapidamente. Aliás, seria um completo absurdo que isso acontecesse.

Então... porque os jogadores de futebol tem este privilégio no uso do espaço público?

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Mike Davis sobre o movimento Occupy Wall Street

No blog da editora boitempo, texto de Mike Davis sobre os acontecimentos recentes em Nova York. Um pequeno trecho:


"Acredito que estamos vivenciando o renascimento das qualidades que definiram de modo tão marcante as pessoas comuns da geração de meus pais (migrantes e grevistas da Crise de 1929): uma compaixão generosa e espontânea, uma solidariedade baseada em uma ética perigosamente igualitária: Pare e dê carona a uma família. Jamais fure uma greve trabalhista, mesmo se sua família não puder pagar o aluguel. Compartilhe seu último cigarro com um estranho. Roube leite quando não houver para seus filhos e dê metade para as crianças do vizinho (isso foi o que minha própria mãe fez repetidas vezes em 1936). Ouça atentamente aos sagazes e serenos que perderam tudo, menos a dignidade. Cultive a generosidade do “nós”. O que quero dizer, suponho, é que me sinto extremamente impactado por aqueles que se juntaram para defender as ocupações apesar de diferenças significativas de idade, classe social e raça. E, da mesma maneira, adoro as crianças corajosas que estão prontas para encarar o próximo inverno e passar frio nas ruas, bem como seus irmãos e irmãs desabrigados."       Continue lendo aqui

Antes de você pular para o blog da boitempo, uma observação: Mike Davis escreve algo que gostaria de ressaltar: apesar da importância da internet, redes sociais, etc, um movimento só se torna movimento real quando ocupa a rua, organiza espaços de forma a confrontar a ordem espacial (e social) estabelecida.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Direito à cidade?


"O sistema está na moda, tanto no pensamento quanto nas terminologias e na linguagem. Ora, todo sistema tende a aprisionar a reflexão, a fechar os horizontes. (...) O urbanismo, quase tanto quanto o sistema, está na moda. As questões e reflexões urbanísticas saem dos círculos dos técnicos, dos especialistas, dos intelectuais que pretendem estar na vanguarda dos fatos. Passam para o domínio público através de artigos de jornais e de livros de alcance e ambições diferentes. Ao mesmo tempo, o urbanismo torna-se ideologia e prática. E, no entanto, as questões relativas à Cidade e à realidade urbana não são plenamente conhecidas e reconhecidas; ainda não assumiram politicamente a importância e o significado que tem no pensamento (na ideologia) e na prática." Henri Lefebvre: "Advertência" em O Direito à Cidade, livro publicado originalmente na França no início de 1968.

As advertências de Lefebvre, mais de quarenta anos depois, continuam atuais. Discutir a cidade e seu planejamento continuam na moda e na ordem do dia: somos bombardeados diariamente com notícias e análises de obras de mobilidade urbana para a copa do mundo, de programas habitacionais, de reformulação e renovação do Cais do Porto (em Porto Alegre; mas renovações urbanas - "gentrificação" na pedante linguagem acadêmica - estão acontecendo em várias cidades brasileiras). Tudo isto aparece desconectado, como se fossem fatos isolados e de puro domínio da técnica. A cidade não é uma discussão técnica, é política na sua maior acepção, até mesmo porque deve ser lembrado que o termo grego polis é a origem tanto da palavra cidade quanto da palavra política. Morar na Cidade é estar no locus (lugar) por excelência da política. Um dos grandes problemas é que isto aparece ideologicamente invertido para os habitantes: todos aprendem que política é coisa de político e não enxergam a cidade como ela é: "a cidade tem uma história: ela é a obra de uma história, isto é, de pessoas e de grupos bem determinados que realizam essa obra nas condições históricas." (Lefebvre, no capítulo sobre a especificidade da cidade em O Direito à Cidade)

Nós vivemos na cidade; viver não é a mesma coisa que comprar, mas a fragmentação do espaço urbano cotidiano raras vezes é percebida e o predomínio de relações mercantis no dia a dia das pessoas parece reforçar o parcelamento da cidade em pedaços: quantas pessoas realmente conhecem a cidade em que moram? A grande maioria usa basicamente dois pontos do território: o lugar de moradia e o lugar de trabalho. Entre eles, apenas uma rota de deslocamento, sempre a mesma, dia após dia. E, o pior: ainda por cima, com engarrafamentos. Saber pensar o espaço, para nele se organizar, para nele combater, já pedia o geógrafo Yves Lacoste na década de 70 do século passado. Precisamos retomar a cidade por inteiro, efetivamente nos apropriarmos dela.

Romper esta alienação de todos nós em relação ao espaço que habitamos é a tarefa para tirar a cidade das mãos de burocratas e "especialistas", assumir politicamente a cidade. Ao fazer isso, conseguiremos discutir e compreender a cidade como um todo: mobilidade não é da alçada só de engenheiros de tráfego, está ligada a questões de uso do espaço, dos lugares de moradia - portanto: vamos discutir habitação junto com transporte! As ligações não param por aí: renovações urbanas como a do Cais Mauá também estão ligadas à questão de mobilidade e à pergunta básica: quem vai usar aquele espaço? Que impacto terá sobre o uso de outros espaços (próximos e distantes)? Poderia continuar conectando questões indefinidamente, mas o que deve deve ficar claro é que o verdadeiro direito à cidade não é simplesmente estender a infra-estrutura e a dita cidade formal a todos, o verdadeiro direito à cidade é recuperá-la como valor de uso, não valor de troca.

sábado, 15 de outubro de 2011

A música também é revolucionária

Em um dia cheio de manifestações ao redor do mundo, nada melhor do que fazer isso com uma trilha sonora revolucionária, de um músico, a seu jeito, revolucionário. Pare. Escute. Mergulhe na música. Com vocês, o clássico dos clássicos: Miles Davis


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Higienismo em SP, mas não só em São Paulo



Com o título de "Higienismo em SP, parte II", o site da revista Carta Capital traz uma reportagem sobre um abaixo-assinado feito por moradores do bairro Pinheiros, em São Paulo, contra a mudança e instalação de um albergue para moradores de rua na "área nobre" do bairro.

A reportagem fala por si só; gostaria apenas de lembrar que isto, infelizmente, não é "privilégio" dos paulistas: aqui mesmo em Porto Alegre já aconteceu (e continua acontecendo) coisa semelhante, vide abaixo-assinado que correu o Menino Deus na época em que a Prefeitura urbanizou a Vila Lupicínio Rodrigues. Para quem não sabe, o abaixo assinado dizia que ninguém era contra os pobres terem melhor moradia, mas... seria melhor para todos que eles não ficassem ali (afinal, estavam desvalorizando imóveis num típico bairro classe média). E como não associar esta notícia com as alegadas dificuldades do atual Governo Municipal para conseguir área no Cristal para reassentar os atingidos pelas obras de duplicação da Av. Tronco?


Higienismo em SP, capítulo dois
Redação Carta Capital
14 de outubro de 2011 às 15:53h
Depois do episódio do metrô em Higienópolis, no qual moradores do bairro paulistano lutaram contra a construção de uma estação de metrô na região com o intuito de afastar “gente diferenciada” (entenda-se “pobres”), um novo capítulo higienista começa a ser escrito em São Paulo. “É de provocar inveja a qualquer higienista social do Terceiro Reich a demonstração de tal insensibilidade”. A declaração é do promotor público Maurício Antonio Ribeiro Lopes, dada ao jornal O Estado de S. Paulo desta sexta-feira (14), sobre um abaixo-assinado entregue esta semana no Ministério Público por comerciantes e moradores do bairro de Pinheiros, de classe média. Os moradores pedem a manutenção do endereço do albergue Cor da Prefeitura, que abriga pessoas em situação de rua, onde está atualmente, em uma região considerada por eles como menos nobre do bairro. continua

Doktorclub: o início

Este blog tratará tanto de coisas ditas "sérias" quanto de amenidades (a "bebedeira" que aparece na descrição do blog...). Evidentemente, a formação do autor e sua atuação profissional em Geografia acabará puxando um pouco a brasa para essa sardinha, mas este não   é um espaço exclusivo para Geógrafos ou de postagens voltadas unicamente para essa área. Sugestões de Posts e colaborações serão bem vindas, me escreva e conversaremos.