quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Kind of Blue



Só quem já escutou Kind of Blue (e digo escutar não no meio de um monte de conversa numa festa, mas realmente parar para prestar atenção) sabe que é quase impossível traduzir em palavras o som e o sentimento que sai dos sulcos daquele disco (sim! eu tenho em LP! E também CD, MP3... para todos os momentos e circunstâncias).

E saiu em português mais um livro sobre o álbum. Deixarei aqui só uma pequena citação sobre o mítico disco gravado no já distante ano de 1959:

"Se não podia ser imitado, o que aconteceu com o álbum foi algo muito mais interessante, um efeito que só pode ser entendido em retrospecto. A atmosfera de Kind of Blue - lenta, sedutora, sombria, meditativa, luminosa - tornou-se inescapável. Era como se Miles Davis tivesse encontrado algo mais profundo do que um mero apreço generalizado por um tipo de música em particular. Davis descobrira o desejo de mudar a paisagem da vida." Richard Williams. Kind of Blue: Miles Davis e o álbum que reinventou a música moderna. Rio de Janeiro: Casa da palavra, 2011, Pág. 08.


"Mudar a paisagem da vida". Parece bastante adequado para um geógrafo, não?

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Bolha imobiliária: um exemplo


Alguém duvida que exista uma bolha no mercado imobiliário? Vamos pegar o exemplo do edifício que aparece na foto. Mas antes que você pergunte, não importa que prédio é este especificamente. O motivo de usá-lo como exemplo é casual; não é uma discussão sobre o edifício em si. Como este exemplo há muitos outros em Porto Alegre e também nas áreas metropolitanas brasileiras.

Voltando: em março de 2009, havia um apartamento de 3 dormitórios à venda no prédio pelo preço de R$ 270.000,00. Agora, em novembro de 2011, há outro apartamento equivalente: 3 dormitórios e, coincidentemente, no mesmo andar daquele à venda em 2009. Preço de venda atual (como aparece no site da imobiliária que - novamente - não importa qual é): R$ 550.000,00. Diferença entre estas duas épocas? "Apenas" 103%!! Em um pouco menos de 3 anos! Inflação do período? Em torno de 18%. Adivinha quem se apropria destes ganhos? Não é nem mesmo o classe média que dispõe desta quantia e vai comprar o imóvel para morar.

Pergunta que não quer calar: até quando a classe média que se diz informada e inteligente aceitará ser explorada pelo mercado imobiliário em troca de algo etéreo como Status?

Para uma continuação da discussão sobre os preços do mercado imobiliário atual, recomendo este meu post publicado há pouco tempo atrás. Voltarei em breve a este tema.

domingo, 20 de novembro de 2011

Visões do Campus

Para onde vai a Geografia?


Corredores



Fotos tiradas pelo autor no Campus do Vale da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Processo de valorização dos imóveis

Na edição do dia 04 de novembro, o Jornal do Comércio de Porto Alegre trouxe uma reportagem com o título: “Moradores do Cristal rejeitam assentamentos”. Vale a pena ler pelo menos os dois primeiros parágrafos:
Moradores do bairro Cristal, zona Sul de Porto Alegre, reclamam que os assentamentos de famílias das áreas de invasão do Complexo da Tronco rebaixarão o valor de seus imóveis. O comitê criado pelos residentes da região reclama que não foi ouvido pela prefeitura sobre o destino dos grupos e que existem alternativas de áreas para erguer as moradias populares. Alguns terrenos desapropriados já teriam empreendimentos residenciais projetados. Dezoito dos 40 terrenos desapropriados para as edificações estão no Cristal. 

Outdoors chegaram a ser custeados pelo grupo para combater o que foi chamado de "desapropriações no coração do Cristal". Os materiais ficaram expostos por 15 dias, em pontos de grande visibilidade na região. "Não ao autoritarismo da prefeitura" foi uma das frases estampadas. Desde que o BarraShoppingSul foi erguido no bairro, os imóveis passaram a ser mais valorizados. "Tudo que ganhamos em preço vamos perder se os imóveis forem feitos aqui", argumentou o aposentado Lauro Rossler, do Comitê Permanente dos Moradores do bairro Cristal. A atriz e professora de teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Sandra Dany esclarece que o movimento não é contra as famílias que já ocupam vilas, vizinhas ao bairro. (…) Leia a reportagem completa aqui

Como é fácil notar, existem muitas coisas que podem ser comentadas: preconceito de classe (apesar de dizerem que não, são contra os pobres), individualismo (só estão pensando na valorização de seus próprios imóveis), etc. Não são estas coisas que quero comentar aqui. O que quero comentar na verdade é sobre um processo que é visto pela maioria das pessoas de forma equivocada: a valorização dos imóveis.

Os moradores estão preocupados porque “os assentamentos rebaixarão o valor de seus imóveis” e porque “Tudo que ganhamos em preço vamos perder se os imóveis forem feitos aqui”.

Ora, o que eles não se perguntaram é: a) como se valorizam os imóveis?; b) por que os imóveis deles se valorizaram?

É preciso ter pelo menos duas coisas em mente para responder às perguntas acima: a) a valorização não é o resultado da decisão (ou sorte) individual do proprietário do imóvel e b) quanto melhor os pobres morarem, maior a tendência à valorização dos imóveis das classes mais altas.

Vamos pensar na seguinte situação: digamos que você, caro leitor, seja proprietário de dois terrenos de mesmo tamanho, um no bairro Moinhos de Vento e outro no bairro Mário Quintana (um mapa atualizado dos bairros de Porto Alegre pode ser obtido aqui). Digamos também que você contrate um arquiteto e uma firma de engenharia/construção para erguer duas casas absolutamente iguais em cada um dos dois terrenos que você possui. Mesmo que os custos sejam absolutamente iguais, alguém duvida que a casa no Moinhos de Vento poderá ser vendida por um preço bem superior? Se os custos de produção são os mesmos, por que isto acontece?

Porque uma das coisas mais importantes capazes de diferenciar os preços na cidade é o que se chama de localização. E – desculpem – terei que usar um jargão acadêmico aqui, localização é um valor de uso produzido socialmente, não individualmente. A localização precisa ser entendida como: onde está situado o imóvel/terreno? O que existe no entorno imediato? Quais distâncias é necessário percorrer pra acessar bens e serviços como escolas, posto de saúde/hospitais, mercados, lojas e outros? Olhando o entorno mais imediato: A rua é asfaltada e bem conservada? Dispõe de iluminação pública? Rede de água e sistema de esgoto? Coleta de lixo? Existe transporte para a região (ônibus, trem, metrô, etc)? Em que quantidade? E em que qualidade?

Resumindo: quanto melhor for o acesso a outros lugares da cidade, a bens e serviços tanto público quanto privados, mais valorizado se torna uma casa/apartamento/terreno. Isto significa que toda localização é relativa. Como a expressão já diz, está relacionada com todo o seu entorno, tanto distante quanto mais imediato. Por isso se diz que a localização é produzida socialmente. Não são decisões individuais que valorizam imóveis, mas um conjunto complexo de fatores e investimentos tanto públicos quanto privados que valorizam partes da cidade em detrimento de outras.

Voltando para a reportagem: é dito que “desde que o BarraShoppingSul foi erguido no bairro, os imóveis passaram a ser mais valorizados”. Exatamente! A valorização não se deu porque os imóveis da classe média do Cristal são os melhores da cidade, nem porque os moradores são brancos de olhos azuis. A valorização foi externa a qualquer decisão individual destes proprietários que agora protestam contra os pobres. Não foram eles (os proprietários de classe média) que valorizaram seus imóveis, foi um conjunto de investimentos que não dependeu da vontade de nenhum deles que valorizou os imóveis que agora ocupam. Portanto, com que direito querem que a melhoria no bairro seja usufruída só por eles? Não se dão conta que o valorização só aumentará com a regularização fundiária e melhoria nas moradias do entorno?

Só para finalizar: já que parecem bem satisfeitos com esta valorização, que tal pagar impostos compatíveis que esta riqueza que ganharam sem fazer esforço nenhum, só pela localização dos imóveis?

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Nossas cidades: tragédia ou farsa?



“Todas as grandes cidades têm um ou vários 'bairros de má-fama' onde se concentra a classe operária. É certo ser frequente a miséria abrigar-se em vielas escondidas, embora próximas aos palácios dos ricos; mas em geral, é-lhe designada uma área à parte, na qual, longe do olhar das classes mais afortunadas, deve safar-se, bem ou mal, sozinha. Na Inglaterra, esses 'bairros de má-fama' se estruturam mais ou menos da mesma forma que em todas as cidades: as piores casas na parte mais feia da cidade; quase sempre, uma longa fila de construção de tijolos, de um ou dois andares, eventualmente com porões habitados e em geral dispostas de maneira irregular. Essas pequenas casas de três ou quatro cômodos e cozinha chamam-se cottages e normalmente constituem em toda a Inglaterra, exceto em alguns bairros de Londres, a habitação da classe operária. Habitualmente, as ruas não são planas nem calçadas, são sujas, tomadas por detritos vegetais e animais, sem esgotos ou canais de escoamento, cheias de charco estagnados e fétidos. A ventilação na área é precária, dada a estrutura irregular do bairro e, como nesses espaços restritos vivem muitas pessoas, é fácil imaginar a qualidade do ar que se respira nessas zonas operárias, onde, ademais, quando faz bom tempo, as ruas servem aos varais que, estendidos de uma casa a outra, são usados para secar roupa.” (F. Engels, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. ed. Boitempo, 2008, pág. 70)

Faça o exercício: substitua no texto acima Inglaterra por Brasil e Cottages por favelas. Pronto! Temos uma descrição atualíssima da situação nas cidades brasileiras (ou latino-americanas, africanas, asiáticas...). E, nunca é demais lembrar, o texto foi escrito originalmente há mais de 160 anos.

Já que começamos com citação, aqui vai mais uma, também sobre a Inglaterra, ainda que o autor seja nosso contemporâneo:

“Desde a construção das primeiras praças Bloomsbury, no século XVIII, os urbanistas não pararam mais de demolir habitações pobres e lojas humildes para erguer casas destinadas à classe média ou aos ricos. A propriedade privada e hereditária do solo possibilitou que essas mudanças fossem feitas com rapidez e pouca interferência pública. A 'renovação' urbana empurrou a pobreza, concentrando-a em lugares mais distantes. Em 1885, a Royal Comission on the Housing of the Working Classes observou: 
A destruição dos ninhos dos abutres [favelas em ruínas] traz grande benefício sanitário e social, mas nenhum tipo de habitação popular tem sido construído em seu lugar (…). A consequência de tal procedimento é que a população sem teto cresce, dispersando-se pelas ruas e pátios próximos às demolições (…) quando surgem as novas residências, pouco se faz para aliviar essa pressão.”
(Richard Sennet, Carne e Pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. ed. BestBolso, 2008, pág. 324)

A história de nossa urbanização não é exatamente a de periferização da pobreza? Mas nem precisamos pensar em termos históricos: é só lembrar as ameaças de remoção em todas as cidades brasileiras onde há “obras da Copa”.

Estamos repetindo - em nossas cidades - os defeitos do processo de urbanização na Europa, mas sem repetir a resolução destes problemas feita por essas mesmas cidades no século XX. O que só faz lembrar uma outra frase famosa do Marx, a primeira frase d'O 18 de Brumário de Louis Bonaparte: “Hegel observa algures que todos os grandes fatos e personagens da história universal aparecem como que duas vezes. Mas esqueceu-se de acrescentar: uma vez como tragédia e a outra como farsa.”

Até quando nossas cidades, além de trágicas, aparecerão como farsa?