segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Processo de valorização dos imóveis

Na edição do dia 04 de novembro, o Jornal do Comércio de Porto Alegre trouxe uma reportagem com o título: “Moradores do Cristal rejeitam assentamentos”. Vale a pena ler pelo menos os dois primeiros parágrafos:
Moradores do bairro Cristal, zona Sul de Porto Alegre, reclamam que os assentamentos de famílias das áreas de invasão do Complexo da Tronco rebaixarão o valor de seus imóveis. O comitê criado pelos residentes da região reclama que não foi ouvido pela prefeitura sobre o destino dos grupos e que existem alternativas de áreas para erguer as moradias populares. Alguns terrenos desapropriados já teriam empreendimentos residenciais projetados. Dezoito dos 40 terrenos desapropriados para as edificações estão no Cristal. 

Outdoors chegaram a ser custeados pelo grupo para combater o que foi chamado de "desapropriações no coração do Cristal". Os materiais ficaram expostos por 15 dias, em pontos de grande visibilidade na região. "Não ao autoritarismo da prefeitura" foi uma das frases estampadas. Desde que o BarraShoppingSul foi erguido no bairro, os imóveis passaram a ser mais valorizados. "Tudo que ganhamos em preço vamos perder se os imóveis forem feitos aqui", argumentou o aposentado Lauro Rossler, do Comitê Permanente dos Moradores do bairro Cristal. A atriz e professora de teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Sandra Dany esclarece que o movimento não é contra as famílias que já ocupam vilas, vizinhas ao bairro. (…) Leia a reportagem completa aqui

Como é fácil notar, existem muitas coisas que podem ser comentadas: preconceito de classe (apesar de dizerem que não, são contra os pobres), individualismo (só estão pensando na valorização de seus próprios imóveis), etc. Não são estas coisas que quero comentar aqui. O que quero comentar na verdade é sobre um processo que é visto pela maioria das pessoas de forma equivocada: a valorização dos imóveis.

Os moradores estão preocupados porque “os assentamentos rebaixarão o valor de seus imóveis” e porque “Tudo que ganhamos em preço vamos perder se os imóveis forem feitos aqui”.

Ora, o que eles não se perguntaram é: a) como se valorizam os imóveis?; b) por que os imóveis deles se valorizaram?

É preciso ter pelo menos duas coisas em mente para responder às perguntas acima: a) a valorização não é o resultado da decisão (ou sorte) individual do proprietário do imóvel e b) quanto melhor os pobres morarem, maior a tendência à valorização dos imóveis das classes mais altas.

Vamos pensar na seguinte situação: digamos que você, caro leitor, seja proprietário de dois terrenos de mesmo tamanho, um no bairro Moinhos de Vento e outro no bairro Mário Quintana (um mapa atualizado dos bairros de Porto Alegre pode ser obtido aqui). Digamos também que você contrate um arquiteto e uma firma de engenharia/construção para erguer duas casas absolutamente iguais em cada um dos dois terrenos que você possui. Mesmo que os custos sejam absolutamente iguais, alguém duvida que a casa no Moinhos de Vento poderá ser vendida por um preço bem superior? Se os custos de produção são os mesmos, por que isto acontece?

Porque uma das coisas mais importantes capazes de diferenciar os preços na cidade é o que se chama de localização. E – desculpem – terei que usar um jargão acadêmico aqui, localização é um valor de uso produzido socialmente, não individualmente. A localização precisa ser entendida como: onde está situado o imóvel/terreno? O que existe no entorno imediato? Quais distâncias é necessário percorrer pra acessar bens e serviços como escolas, posto de saúde/hospitais, mercados, lojas e outros? Olhando o entorno mais imediato: A rua é asfaltada e bem conservada? Dispõe de iluminação pública? Rede de água e sistema de esgoto? Coleta de lixo? Existe transporte para a região (ônibus, trem, metrô, etc)? Em que quantidade? E em que qualidade?

Resumindo: quanto melhor for o acesso a outros lugares da cidade, a bens e serviços tanto público quanto privados, mais valorizado se torna uma casa/apartamento/terreno. Isto significa que toda localização é relativa. Como a expressão já diz, está relacionada com todo o seu entorno, tanto distante quanto mais imediato. Por isso se diz que a localização é produzida socialmente. Não são decisões individuais que valorizam imóveis, mas um conjunto complexo de fatores e investimentos tanto públicos quanto privados que valorizam partes da cidade em detrimento de outras.

Voltando para a reportagem: é dito que “desde que o BarraShoppingSul foi erguido no bairro, os imóveis passaram a ser mais valorizados”. Exatamente! A valorização não se deu porque os imóveis da classe média do Cristal são os melhores da cidade, nem porque os moradores são brancos de olhos azuis. A valorização foi externa a qualquer decisão individual destes proprietários que agora protestam contra os pobres. Não foram eles (os proprietários de classe média) que valorizaram seus imóveis, foi um conjunto de investimentos que não dependeu da vontade de nenhum deles que valorizou os imóveis que agora ocupam. Portanto, com que direito querem que a melhoria no bairro seja usufruída só por eles? Não se dão conta que o valorização só aumentará com a regularização fundiária e melhoria nas moradias do entorno?

Só para finalizar: já que parecem bem satisfeitos com esta valorização, que tal pagar impostos compatíveis que esta riqueza que ganharam sem fazer esforço nenhum, só pela localização dos imóveis?

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