domingo, 22 de abril de 2012

A Veja e a classe média



Como toda pessoa com um mínimo de neurônios funcionando, também tenho me divertido com o fato de a revista Veja estar atolada até o pescoço no tal "escândalo Cachoeira". E, não posso negar, também vejo (com o perdão do trocadilho) meu sentimento de vingança aflorar: mais um bando de moralistas que se enrolam com sua própria (falta de) moral.

Mas não estou escrevendo este post para tripudiar sobre a editora Abril, seus pseudo-jornalistas e comparsas no DEM/PSDB; a questão aqui é outra. Muitas das análises encontradas na Internet atualmente vão no sentido de dizer que agora que a Veja foi desmascarada, os leitores (e anunciantes) vão começar a abandonar a revista e seu destino é a decadência, já que a classe média finalmente verá que a Veja mente e manipula informações. Pois bem, acredito que esta via de análise está equivocada.

Vou começar com duas citações. A primeira de Hobsbawn, descrevendo e analisando o crescimento da classe média européia no final do século XIX:
O principal objetivo da "nova" pequena burguesia era o de demarcar tão nitidamente quanto possível a distância que as separava das classes operárias - objetivo que geralmente as inclinava para a direita radical, na política. Sua forma de esnobismo era a reação. Eric Hobsbawn. A Era dos Impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, pág. 255.
Agora, Bolivar Costa, analisando a classe média no início dos anos 1970 no Brasil. Sintomaticamente, o nome do capítulo onde está a citação abaixo chama-se "Os manipuladores manipulados":
Politicamente, este segmento é reacionário, pois enquanto de um lado, combate o que considera a voracidade da grande burguesia, de outro, demonstra horror pânico a todas as posições ideológicas mais ou menos comprometidas com qualquer projeto de reordenamento da sociedade capaz de favorecer as massas. Tanto a espoliação monopolista quanto a agitação operária não passam, a seus olhos, de conseqüências diretas da incapacidade dos governantes, da improbidade administrativa e da inoperância burocrática. Como, porém, as administrações se sucedem sem que se viabilize uma recomposição do poder em seu benefício, aceita com naturalidade governos fortes, capazes de coibir a demagogia, o malbaratamento da coisa pública e a subversão, mas também de reprimir a "ganância" dos monopólios. Contribui, desse modo, para criar as condições políticas necessárias às intervenções das cúpulas militares. Bolivar Costa. O Drama da Classe Média. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974, pág. 53.
Não é interessante? Ambas citações, apesar de focarem acontecimentos com mais de 100 anos de diferença, parecem se encaixar perfeitamente com o leitor médio da Veja. E é esta a questão: A Veja não faz sucesso porque manipula a informação e engana os leitores: ela faz sucesso porque escreve exatamente o que um amplo segmento dos extratos médios não só pensa, mas como quer ler e ouvir. Se a Veja por um milagre fechar as portas, simplesmente será substituída por uma outra revista com o mesmo "conteúdo". Aliás, candidatas não faltam atualmente no Brasil.

Quanto aos anunciantes, é uma questão de mercado: a classe média já estabelecida é uma grande consumidora; portanto eles anunciam onde os potenciais compradores de seus produtos estão: na Veja. Simples assim. Só abandonarão a revista se os leitores começarem a migrar para outra, semelhante ou mesmo pior (sim, isto é possível) que a atual.

Há mais um elemento aí, além do histórico reacionarismo desta ampla parcela da classe média. Esta sempre foi, no Brasil, numérica e percentualmente limitada: o processo de acumulação de capital que resultou na industrialização do século XX era limitado e baseado numa "acumulação primitiva" que foi ao mesmo tempo exploradora de mão-de-obra e concentracionista: criou-se uma classe média consumidora que até a crise do Petróleo da década de 70 era suficiente para manter a acumulação funcionando no País. Hoje, a situação é diferente: a acumulação passa pela incorporação de novos consumidores: é a tal da nova "Classe C", estrela de tantas análises atuais. Ora, estes novos consumidores "ameaçam" a posição da velha classe média: compram carros e engarrafam as ruas, lotam os aeroportos e shoppings, compram casas e apartamentos fazendo explodir a especulação imobiliária, etc. A velha Classe Média, que sempre se achou "elite", agora é confrontada com a realidade: nunca foi casta superior; qualquer processo de expansão econômica faz um monte de gente "inferior" agora ter renda compatível com a dela. É fácil perceber porque muita gente adota as mesmas posições fascistas da revista Veja: estão se sentindo ameaçados pelo "lulismo de resultados" que incorporou milhões ao capitalismo como consumidores, não só como exército industrial de reserva (como era antes). É só olhar as reclamações: "Que horror! Não consigo mais empregada doméstica" e outras barbaridades.

O contraditório disto tudo é que a ascensão da nova classe média, apesar de incomodar a velha, é a semente (exatamente por ser classe média) de um futuro conservadorismo. Ser classe média é isso: querer conservar seu status de consumidor na sociedade e invejar os verdadeiramente ricos: a burguesia. Medíocre, não? E irônico também, não? Foi preciso um presidente operário e um Partido dos Trabalhadores para destrancar e fazer avançar a acumulação de capital no País. Para desgosto e inveja da classe média. E da revista Veja.

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