quarta-feira, 27 de junho de 2012

Paisagens urbanas

"A paisagem é a geografia compreendida como o que está em torno do homem, como ambiente terrestre. Muito mais que uma justaposição de detalhes pitorescos, a paisagem é um conjunto, uma convergência, um momento vivido, uma ligação interna, uma 'impressão' que une todos os elementos" (pág. 30)




"A paisagem se unifica em torno de uma tonalidade afetiva dominante, perfeitamente válida ainda que refratária a toda redução puramente científica. Ela coloca em questão a totalidade do ser humano, suas ligações existenciais com a Terra, ou, se preferirmos, sua geograficidade original: a Terra como lugar, base e meio de sua realização." (pág. 31)




"Uma verdade emerge da paisagem, contudo não como teoria geográfica ou mesmo como valor estético, mas como expressão fiel da existência, e é assim que os alinhamentos megalíticos, um castelo feudal, constituem parte integrante da geografia local como testemunhos de uma presença humana que dá sentido ao seu entorno. (...) A paisagem pressupõe uma presença do homem, mesmo lá onde toma a forma de ausência. Ela fala de um mundo onde o homem realiza sua existência como presença circunspecta e atarefada." (pág. 32)


Todas as citações são de Eric Dardel. O homem e a Terra: natureza da realidade geográfica. São Paulo: perspectiva, 2011.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Pérolas do Cotidiano



Certas coisas ficam tão comuns no dia-a-dia que sequer nos damos conta de como elas se aproximam da estupidez. Alguém já reparou que hoje em dia é quase impossível tentar fazer um lanche em uma cidade como Porto Alegre sem que o "salgado" seja aquecido no microondas?

O resultado, todos vão lembrar, é que fazer um lanche fora de casa significa, quase certamente, comer algo com a consistência de borracha, completamente mole e ainda por cima fervendo por dentro! Não importa o que seja: um risoles, esfiha, pão de queijo, pastéis variados de forno, empada. Pense no que você quiser. A aparência no balcão refrigerado sempre é bonita, mas o microondas transforma tudo em algo com gosto uniforme, indistinguível e artificial. Aliás, parece hambúrguer do McDonald's. Uma massa de comida em que não sabemos onde termina o gosto do pão e começa o gosto da carne. Ok, voltando (já que o objetivo não é falar de McDonald's): o paradoxo é que isto não é só uma característica de lugares e lancherias "populares", digamos assim. Tente comer um simples pão-de-queijo com café num Shopping, por exemplo. A praga do microondas está em todo lugar! Até mesmo naqueles lugares metidos à besta que cobram fortunas por um petisco qualquer.

Isto não tem nada a ver com "a pressa da cidade moderna". Tem a ver é com preguiça dos restaurantes/lanchonetes e acomodação dos consumidores. Henri Lefebvre já dizia que vivemos numa sociedade burocrática de consumo dirigido. Ele, evidentemente, não pensou no que estou chamando "praga de microondas". Mas comer fora virou algo puramente burocrático: como não temos tempo, engolimos qualquer coisa simplesmente para a fome passar. Por isto aceitamos como "normal" a comida molengo-emborrachada do microondas. É burocrático. E é um consumo dirigido.

Vejam bem: começamos com uma simples crítica do uso do microondas, mas é revelador do nosso cotidiano e da necessidade de superação deste. (o texto de Lefebvre que menciono é: A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991. Fica a dica de leitura)

domingo, 10 de junho de 2012

A natureza é uma categoria social


"No princípio, tudo eram coisas, enquanto hoje tudo tende a ser objeto, já que as próprias coisas, dádivas da natureza, quando utilizadas pelos homens a partir de um conjunto de intenções sociais, passam, também, a ser objetos. Assim a natureza se transforma em um verdadeiro sistema de objetos e não mais coisas e, ironicamente, é o próprio movimento ecológico que completa o processo de desnaturalização da natureza, dando a esta última um valor." (Milton Santos: A natureza do espaço. São Paulo: HUCITEC, 1996, pág. 53)
Com a Rio+20, muita tinta e bites têm sido gastos para discutir a "natureza". Portanto, serei breve:

a) "os homens estão destruindo a natureza". Que homens, cara-palida? Numa organização social como a capitalista em que existe gigantesca desigualdade social e portanto desigualdade na capacidade de consumo, colocar a culpa "nos homens" é escamotear que alguns poluem muito mais que outros. Eu não aceito que digam que eu sou tão culpado quanto a General Motors ou a Vale. Outra: Programas de despoluição de rios, lagos ou outros cursos d'água bancados pelo Estado são necessários? São. Mas significam que enquanto os lucros ficaram com as empresas que poluíram, os prejuízos são socializados, pois somos todos nós que pagamos a despoluição.

b) O que verdadeiramente está em jogo nesta discussão toda não é a natureza. É a sociedade. O que deve ser discutido não é a natureza que queremos, mas a sociedade que queremos. Foi uma determinada formação social - que sempre entendeu a natureza separada do homem e unicamente como recurso - que nos colocou no ponto em que estamos. Portanto, o que deveria ser óbvio mas parece que não é deve ser dito claramente: se queremos mudar, devemos mudar a sociedade. Só assim será possível cambiar a maneira como nos relacionamos com o ambiente.

c) O capitalismo só mudará o que for possível valorar, o que for possível extrair lucro. É só pensar na reciclagem: o que na verdade é reciclado é só o que dá lucro. Por isso somos campeões de reciclagem de latinhas de alumínio enquanto quase todo o resto de produtos recicláveis vai para os lixões. Sem falar que reciclamos bastante latinhas à custa de superexploração da mão-de-obra dos miseráveis. Em outras palavras: sob pretexto de "inclusão social", mantemos os pobres na miséria pois só pagando pouco para os catadores é possível a reciclagem dar lucro. É realmente isto que queremos? É realmente esta "inclusão" que desejamos? É assim que "salvamos" a natureza?

A natureza é uma categoria social. Lutemos, pois, para mudar a sociedade.