terça-feira, 17 de julho de 2012

Chevrolet gaúcho? Hã?


Manchete da Zero Hora (clique para ver):

Chevrolet gaúcho chegará às lojas ainda neste ano

Realmente, tem coisas que só acontecem no Rio Grande do Sul e, ao contrário do tal "orgulho de ser gaúcho", deveriam envergonhar quem mora por aqui.

Chevrolet gaúcho? Que raios é isso? 
a) A General Motors é uma estatal do Rio Grande do Sul?
b) Pelo menos pertence a algum empresário gaúcho?
c) Não repatria seus lucros para os Estados Unidos e investe-os aqui no RS?
d) Paga todos os impostos sem nenhum tipo de isenção fiscal ajudando o Estado a investir em educação, saúde e segurança?
e) Cobra preços justos e compatíveis com os produtos "modernos" que produz aqui?

Se você respondeu "não" a todas as perguntas anteriores, pode me explicar por que a Zero Hora se dá ao trabalho de fazer propaganda de graça para uma empresa estrangeira que por acaso tem uma fábrica localizada na cidade de Gravataí? E veja bem, a GM não está aqui por causa do orgulho gaúcho, está aqui porque lhe foram oferecidas (pelo Estado, portanto paga por todos os moradores) condições para lucrar de forma que ela não lucra nos Estados Unidos, por exemplo.

Que bobagem é essa de "carro gaúcho"? Ele só será vendido em Porto Alegre, por acaso? O novo modelo foi desenhado pelo Nico Fagundes?

Sob nenhum critério a GM é gaúcha, mesmo que se aceite que existe um "ser gaúcho" e que isto não é uma tradição inventada, nas palavras bem colocadas de Eric Hobsbawn. Portanto, é uma pura questão de ideologia chamar carros fabricados aqui por empresas estrangeiras de "carro gaúcho". Seria porque a GM é um dos grandes anunciantes da ZH? Ou...?

E… para completar, esqueceram de dizer que ao mesmo tempo em que se propagandeia o "carro gaúcho", a mesma empresa ameaça a demissão de 1500 funcionários na fábrica em São José dos Campos. Mas como lá não é o Rio Grande do Sul, isto parece não importar para a Zero Hora, não é mesmo? Lá não se fabricam "carros gaúchos".

Patético.

domingo, 8 de julho de 2012

Eleições, armadilha para imbecil

                                                               Um dos famosos cartazes do maio de 68 na França

Nesta época em que recomeçam as campanhas eleitorais no Brasil, a frase título deste post é forte (para dizer o mínimo). Mas não é minha: foi um dos slogans do maio de 68 francês, tão pródigo em frases de efeito e esperanças revolucionárias. Foi relembrada por Alain Badiou, no seu balanço sobre o Maio de 68 recentemente publicado em português no livro A hipótese comunista (São Paulo: boitempo, 2012). Aliás, ele lembra que logo depois do fim das agitações e mobilizações que sacudiram a França, o Governo conseguiu realizar eleições e o resultado foi… 
"a Câmara mais reacionária que já se viu! Estava claro para todo mundo que o dispositivo eleitoral não é apenas, e nem mesmo principalmente, um dispositivo de representação: ele é também um dispositivo de repressão dos movimentos, das novidades, das rupturas." (pág. 36)
Esta é uma das questões que deve ser sempre lembrada nestas épocas: política é muito mais que eleições. Desde que o PT chegou ao poder, parece que a esquerda (ou boa parte dela) só vive de discutir estratégias eleitorais. Discutir unicamente estratégias eleitorais dá nisso: foto de Lula com Maluf. Não sei o que foi pior, o fato (ou foto) em si ou a gigantesca discussão petismo/anti-petismo que emergiu depois disso. Na verdade, o que aconteceu é que a esquerda aceitou como normal os termos de um debate para lá de simplório, que consiste em: "se não aceitarmos nos coligar ou receber o apoio de X ou Y, a direita volta ao poder e vai ser um horror". E assim vamos. Aliás, ouso dizer que este é um dos motivos do amplo ataque da Veja e congêneres ao PT (o famoso "PIG" - Partido da Imprensa Golpista). Ora, se o PT está promovendo claramente o aprofundamento do mercado de consumo e do capitalismo no Brasil, inclusive de uma forma que poucos antes conseguiram, por que eles (PIG) seriam contra? Não é só preconceito de classe. Na verdade, eles estão enquadrando os termos do debate, enquadrando e limitando possíveis avanços da esquerda e fazendo com que a esquerda, ao invés de se preocupar com ultrapassar os limites estabelecidos (um dos verdadeiros sentidos em ser de esquerda), simplesmente fique a maior parte do tempo… defendendo o Governo de ataques! É muito pouco e é muito limitado.

Por estas razões, continuemos nas incitações de Badiou, pois serve para lembrar que a tarefa da esquerda não deve ser só "defender Governos", ainda que os nossos governos.

Tem uma parte do livro em que as metáforas geográficas aparecem, onde ele reflete sobre a marcha estudantil e a ocupação da fábrica de Chausson e diz que uma das conseqüências disto tudo foi a busca por uma outra política:
"Nós compreendemos naquele momento, sem ainda compreender totalmente, ali, na fábrica da Chausson, que se uma política de emancipação nova era possível, ela seria uma reviravolta nas classificações sociais, não consistiria em organizar cada um em seu lugar, mas, ao contrário, organizaria deslocamentos, materiais e mentais, fulminantes.
Contei a vocês a história de um deslocamento cego. O que nos movia era a convicção de que era necessário acabar com os lugares. Em sentido geral, é o que implica a bela palavra 'comunismo', sociedade igualitária, sociedade que, por seu próprio movimento, derruba os muros e as separações, sociedade da polivalência e dos trajetos variáveis, tanto no trabalho quanto na vida. Mas 'comunismo' também quer dizer formas de organização política cujo modelo não é a hierarquia dos lugares. (pág. 38)
Dez anos depois, tudo volta ao modelo clássico na França:
"Voltamos ao 'cada um em seu lugar' característico deste modelo: os partidos de esquerda, se podem, governam, os sindicatos reivindicam, os intelectuais intelectualizam, os operários ficam nas fábricas, etc." (pág. 38)
De novo, voltamos ao enquadramento do debate político atual no Brasil: aqui, estamos seguindo também este modelo de cada um no seu lugar. Para bagunçar estes lugares, "devemos ter a coragem de ter uma idéia": 
"O que é decisivo, em primeiro lugar, é manter a hipótese histórica de um mundo livre da lei do lucro e do interesse privado. Enquanto estivermos sujeitos, na ordem das representações intelectuais, à convicção de que não podemos acabar com isso, que essa é a lei do mundo, nenhuma política de emancipação será possível. É isso que propus chamar de hipótese comunista." (pág. 39)