Toda
vez que um clube de futebol vai mal nos campeonatos do qual participa
e/ou está em época de eleição de nova diretoria – caso do Sport
Club Internacional neste exato momento – brande-se aos quatro
ventos palavras de ordem como: “Profissionalização!” e “clubes
devem funcionar como empresas!”. Citei o caso do Inter só porque
moro em Porto Alegre e é impossível não ler/ouvir coisas como
estas nas últimas semanas. Mas isto serve com certeza para a
situação dos clubes em todo o Brasil.
Mas
vamos adiante: o que tem de errado neste brado pela
profissionalização e empresariamento do futebol? Ora, ao contrário
do que a maioria imagina, ele já funciona assim. Há clubes
mal administrados? Com certeza, mas eles são profissionais sim e
aliás, como nos sonhos dos economistas liberais clássicos, todos
eles estão em concorrência – afinal competem em Campeonatos –
para ver quem é o campeão todos os anos. Na verdade, o futebol é
muito mais “capitalista” do que o funcionamento empresarial. Isto
porque neste último, a concorrência e o próprio funcionamento do
mercado levam à uma concentração/centralização do capital em
algumas poucas e grandes empresas. Vamos lembrar de alguns setores da
economia: Automóveis? Aviação? Petróleo? Setor de bebidas?
Alimentos industrializados? Existem poucas empresas que dominam o
mercado, são mundiais e gigantes em tamanho.
Transpor
isto para o futebol literalmente acabaria com a “concorrência”,
ou se quisermos, com a competição. Exemplo? Simples: alguém por
acaso não sabe antes de começar o campeonato espanhol que o campeão
será ou o Barcelona ou o Real Madrid? Futebol de mercado acaba
com a concorrência: só os ricos serão campeões. No Brasil, a
profissionalização do futebol trouxe a diferenciação entre os
clubes, com certeza há clubes mais ricos e outros mais pobres, mas
mesmo assim todos hão de concordar que poderiam ser nomeados no
mínimo dez clubes que entram no campeonato brasileiro pensando em
ganhá-lo. Em outras palavras: existe concorrência. Esta é uma
contradição que os favoráveis ao mercado esquecem: o capitalismo,
quando se desenvolve, mata a concorrência e tende ao monopólio.
Agora
vamos imaginar se o futebol funcionasse exatamente como as empresas
de outros ramos da economia capitalista:
a)
É preciso dar lucro, senão a empresa fecha. Só aí, mataríamos
mais da metade (e estou sendo otimista) dos clubes de futebol no
Brasil. De onde viriam e se formariam os jogadores?
b)
Mesmo que todos os dirigentes se profissionalizassem, qual é a
estatística oficial sobre a sobrevivência de empresas no Brasil e
no mundo? Segundo pesquisa do SEBRAE, a taxa de sobrevivência de
empresas no País depois de 2 anos de sua constituição é de 73,1%
(ver pesquisa aqui). E olha que, por conta do bom momento da economia
brasileira dos últimos anos, esta taxa é maior que de muitos países
da OECD. Na Holanda por exemplo, a taxa de sobrevivência depois de 3
anos é em torno de 40% (ver resumo estatístico em inglês aqui).
Portanto o resultado assim como no item acima é clubes fechando.
c)
Do ponto de vista da mão-de-obra (ou melhor, “pé-de-obra”) já
funcionamos como mercado: os melhores jogadores ficam nos clubes mais
ricos, mas só até o momento em que ele se valoriza o suficiente
para ser vendido para um clube mais rico ainda, normalmente na
Europa. Isto significa rotatividade e dificuldade de formar uma
equipe coerente, com jogadores que se conheçam e possam atuar juntos
por um período de tempo suficiente para o time atingir o máximo de
rendimento. Se todos os anos os jogadores mudam – e normalmente com
a saída dos melhores – como querer que o time jogue bem? Em
qualquer esporte coletivo, leva anos para levar uma equipe ao auge.
Mas no futebol isto não é mais possível.
Resumindo:
o futebol como empresa tem como resultado fechamento da maioria dos
clubes, concentração de poder (e capacidade de ganhar campeonatos)
nas mãos de um ou dois clubes, alta rotatividade de jogadores e
pouca “paixão”/identidade. Você torceria para um clube
coca-cola? A torcida existe exatamente porque Clubes não são
empresas, o nome já diz, são
Clubes, associações com fins esportivos, não lucrativos.
Por
fim, já que este post está ficando um pouco longo, olhemos para os
EUA e seus clube-empresas. O que acontece por lá? Ora, este mercado
é altamente regulado, muito mais do que os “clubes” no
Brasil. Os times (de futebol americano, basquete, etc) são empresas?
Sim. Tem proprietários? Sim. Mas para que haja competitividade,
existem tetos salariais para os clubes (o que significa que ele pode
até contratar um ou dois grandes jogadores, mas nunca um time
inteiro) e todo um sistema de contratação/renovação de jogadores
que funciona simplificadamente da seguinte forma: os Clubes com pior
desempenho no ano anterior (os últimos colocados) tem prioridade
para contratar os melhores novatos vindo das Universidades. Ou
seja, ao contrário do futebol brasileiro/europeu, os piores clubes
tem a chance de contratar os melhores jogadores. Assim, eles não
serão eternamente os piores clubes! O que quero dizer com isso? O
melhor exemplo de empresariamento do esporte é também um exemplo de
mercado fortemente regulado. Nem nos EUA o esporte funciona com
“livre-mercado”. O mercado não é livre. Por que não seguimos
este exemplo?
Em
resumo, não está na hora de bradarmos pelo funcionamento
empresarial do futebol, está na hora é de regularmos fortemente
este mercado. Só assim o futebol terá futuro no Brasil.
P.S.:
Tem dirigente ladrão no Brasil? Sim, mas eles tem exemplos para
seguir no brilhante mundo das empresas privadas. Ora, o que foi o
caso das empresas financeiras que quebraram com a última crise,
afundaram a economia de vários países, acabaram com a poupança
para aposentadoria de milhares de famílias nos EUA, fizeram outras
milhares perderem suas casas e mesmo assim seus dirigentes saíram
com “bônus” de desempenho de vários milhões de dólares? Isto
não é roubo? Isto sim é funcionamento de mercado. É isto que
queremos?
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