quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Porque o futebol NÃO deve funcionar como uma empresa


Toda vez que um clube de futebol vai mal nos campeonatos do qual participa e/ou está em época de eleição de nova diretoria – caso do Sport Club Internacional neste exato momento – brande-se aos quatro ventos palavras de ordem como: “Profissionalização!” e “clubes devem funcionar como empresas!”. Citei o caso do Inter só porque moro em Porto Alegre e é impossível não ler/ouvir coisas como estas nas últimas semanas. Mas isto serve com certeza para a situação dos clubes em todo o Brasil.

Mas vamos adiante: o que tem de errado neste brado pela profissionalização e empresariamento do futebol? Ora, ao contrário do que a maioria imagina, ele já funciona assim. Há clubes mal administrados? Com certeza, mas eles são profissionais sim e aliás, como nos sonhos dos economistas liberais clássicos, todos eles estão em concorrência – afinal competem em Campeonatos – para ver quem é o campeão todos os anos. Na verdade, o futebol é muito mais “capitalista” do que o funcionamento empresarial. Isto porque neste último, a concorrência e o próprio funcionamento do mercado levam à uma concentração/centralização do capital em algumas poucas e grandes empresas. Vamos lembrar de alguns setores da economia: Automóveis? Aviação? Petróleo? Setor de bebidas? Alimentos industrializados? Existem poucas empresas que dominam o mercado, são mundiais e gigantes em tamanho.

Transpor isto para o futebol literalmente acabaria com a “concorrência”, ou se quisermos, com a competição. Exemplo? Simples: alguém por acaso não sabe antes de começar o campeonato espanhol que o campeão será ou o Barcelona ou o Real Madrid? Futebol de mercado acaba com a concorrência: só os ricos serão campeões. No Brasil, a profissionalização do futebol trouxe a diferenciação entre os clubes, com certeza há clubes mais ricos e outros mais pobres, mas mesmo assim todos hão de concordar que poderiam ser nomeados no mínimo dez clubes que entram no campeonato brasileiro pensando em ganhá-lo. Em outras palavras: existe concorrência. Esta é uma contradição que os favoráveis ao mercado esquecem: o capitalismo, quando se desenvolve, mata a concorrência e tende ao monopólio.

Agora vamos imaginar se o futebol funcionasse exatamente como as empresas de outros ramos da economia capitalista:

a) É preciso dar lucro, senão a empresa fecha. Só aí, mataríamos mais da metade (e estou sendo otimista) dos clubes de futebol no Brasil. De onde viriam e se formariam os jogadores?

b) Mesmo que todos os dirigentes se profissionalizassem, qual é a estatística oficial sobre a sobrevivência de empresas no Brasil e no mundo? Segundo pesquisa do SEBRAE, a taxa de sobrevivência de empresas no País depois de 2 anos de sua constituição é de 73,1% (ver pesquisa aqui). E olha que, por conta do bom momento da economia brasileira dos últimos anos, esta taxa é maior que de muitos países da OECD. Na Holanda por exemplo, a taxa de sobrevivência depois de 3 anos é em torno de 40% (ver resumo estatístico em inglês aqui). Portanto o resultado assim como no item acima é clubes fechando.

c) Do ponto de vista da mão-de-obra (ou melhor, “pé-de-obra”) já funcionamos como mercado: os melhores jogadores ficam nos clubes mais ricos, mas só até o momento em que ele se valoriza o suficiente para ser vendido para um clube mais rico ainda, normalmente na Europa. Isto significa rotatividade e dificuldade de formar uma equipe coerente, com jogadores que se conheçam e possam atuar juntos por um período de tempo suficiente para o time atingir o máximo de rendimento. Se todos os anos os jogadores mudam – e normalmente com a saída dos melhores – como querer que o time jogue bem? Em qualquer esporte coletivo, leva anos para levar uma equipe ao auge. Mas no futebol isto não é mais possível.

Resumindo: o futebol como empresa tem como resultado fechamento da maioria dos clubes, concentração de poder (e capacidade de ganhar campeonatos) nas mãos de um ou dois clubes, alta rotatividade de jogadores e pouca “paixão”/identidade. Você torceria para um clube coca-cola? A torcida existe exatamente porque Clubes não são empresas, o nome já diz, são Clubes, associações com fins esportivos, não lucrativos.

Por fim, já que este post está ficando um pouco longo, olhemos para os EUA e seus clube-empresas. O que acontece por lá? Ora, este mercado é altamente regulado, muito mais do que os “clubes” no Brasil. Os times (de futebol americano, basquete, etc) são empresas? Sim. Tem proprietários? Sim. Mas para que haja competitividade, existem tetos salariais para os clubes (o que significa que ele pode até contratar um ou dois grandes jogadores, mas nunca um time inteiro) e todo um sistema de contratação/renovação de jogadores que funciona simplificadamente da seguinte forma: os Clubes com pior desempenho no ano anterior (os últimos colocados) tem prioridade para contratar os melhores novatos vindo das Universidades. Ou seja, ao contrário do futebol brasileiro/europeu, os piores clubes tem a chance de contratar os melhores jogadores. Assim, eles não serão eternamente os piores clubes! O que quero dizer com isso? O melhor exemplo de empresariamento do esporte é também um exemplo de mercado fortemente regulado. Nem nos EUA o esporte funciona com “livre-mercado”. O mercado não é livre. Por que não seguimos este exemplo?

Em resumo, não está na hora de bradarmos pelo funcionamento empresarial do futebol, está na hora é de regularmos fortemente este mercado. Só assim o futebol terá futuro no Brasil.


P.S.: Tem dirigente ladrão no Brasil? Sim, mas eles tem exemplos para seguir no brilhante mundo das empresas privadas. Ora, o que foi o caso das empresas financeiras que quebraram com a última crise, afundaram a economia de vários países, acabaram com a poupança para aposentadoria de milhares de famílias nos EUA, fizeram outras milhares perderem suas casas e mesmo assim seus dirigentes saíram com “bônus” de desempenho de vários milhões de dólares? Isto não é roubo? Isto sim é funcionamento de mercado. É isto que queremos?

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