sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Carroças e pobreza: a questão é a desigualdade

Catador de metais recicláveis: New York, década de 70


A foto acima é emblemática neste período em que começa para valer a retirada de veículos de tração animal das ruas de Porto Alegre (as vulgas “carroças”). Ela está aí exatamente para mostrar que aquilo que sempre se diz (isto é coisa que só existe em Porto Alegre!; é coisa de país pobre!) não é bem verdade…  Alguém sempre pode argumentar: mas a foto é da década de 70! Nova York mudou desde então!  Sim, com certeza mudou… para pior com a crise do capitalismo atingindo os mais pobres de forma muito mais violenta. Já que se gosta tanto de depreciar o que acontece por aqui dizendo que “nos Estados Unidos estas coisas não acontecem, lá sim é um país civilizado e rico”, que tal compararmos alguns números?

População total de Nova York pelo Censo de 2010 (sim, lá os Censos também ocorrem em períodos como no Brasil): 19.378.102 habitantes. 
População em situação de rua (homeless): 50.926
População total de Porto Alegre pelo Censo IBGE 2010: 1.409.351 habitantes. População em situação de rua (dados de 2011): 1347

O gráfico abaixo (ainda que em inglês) pode ajudar a visualizar a evolução dos sem-tetos em Nova York (o título traduzido é: número de sem-tetos que dormem cada noite no sistema de abrigos de Nova York):
Dados sobre a população de rua de Nova York (inclusive sobre o fato de estes números serem subestimados) podem ser encontrados na Coalition for the homeless; quanto aos dados sobre a população de rua em Porto Alegre, ver o estudo feito pela FASE em conjunto com a UFRGS em 2011.
Se lá tem sem-teto, também tem catadores empurrando carrinhos bem semelhante com o que acontece por aqui:

Este post não é para criar uma disputa sobre qual é a pior situação, é para que se comece a pensar e ver que não é uma questão somente derivada de políticas governamentais (ou falta delas). E muito menos é um problema exclusivamente brasileiro ou portoalegrense. O que se tem é uma situação criada pela própria desigualdade no desenvolvimento do capitalismo e isto sim deveria ser debatido seriamente e não unicamente com slogans

Locais que concentram a riqueza (e os ricos) tendem a concentrar e criar a pobreza (e os pobres). A centralização/concentração do capital tende a criar no mesmo espaço a pobreza. Isto é uma consequência da concentração geográfica do capital (que, evidentemente, também tende a se acumular em poucas mãos).

Em resumo: o problema de Porto Alegre não são as carroças ou o número de sem-tetos/mendigos na rua. Isto é um sintoma, um resultado. O que deve ser perguntado é:  mas por que a riqueza é tão concentrada? Por que qualquer tentativa de desconcentrar minimamente a renda ou alguns serviços causa tanta reação dos poucos privilegiados, como nas reações corporativistas e ridículas contra a colocação de médicos estrangeiros onde nunca existiu assistência?

Lutar contra a concentração de renda será muito mais eficaz contra a existência de catadores maltrapilhos do que se preocupar em tirar carroças das ruas para que o trânsito flua melhor (como se adiantasse). A equação é simples: economia que concentra renda = mais pobres na rua; economia política que penaliza a concentração = menos carroças e catadores. Ou alguém ainda acha que os pobres são pobres porque querem?


Um comentário:

  1. Bacana, Doktor Mario, e ainda por cima cor-de-rosa... vou voltar aqui.
    abração
    AD

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