sábado, 12 de abril de 2014

Diagnóstico do limite


Dando seqüência à publicação de textos de Armando Corrêa da Silva. 
Referência: SILVA, Armando Corrêa da. De quem é o pedaço? Espaço e cultura. São Paulo, HUCITEC, 1986, pág. 141-143.

DIAGNÓSTICO DO LIMITE

O território comum

A noção de “pedaço” foi elaborada recentemente, por meio do que se denomina “imaginação geográfica”: “This imagination enables the individual to recognize the role of space and place in his own biography, to relate to the spaces he sees around him, and to recognize how transactions between individuals and between organizations are affected by tne space that separetes them. It allows him to recognize the relationship which exists between him and his neighborhood, his territory, or to use the language of the street gangs, his 'turf'” (Harvey, 1976:24)
A relação entre o indivíduo e seu entorno ocorre como prática do nosso. Não se trata de propriedade, no sentido econômico, mas das determinações do lugar por seu valor imanente, valor esse que não se põe separadamente do uso que os grupos humanos fazem do lugar.
Por isso, é muito aguda na pessoa, assim definida, o sentido de “nós” e “eles”. A referência pessoal confunde-se com a ideia de espaço de vida, vida esta que se põe como conjunto de relações de significado.
Então, perder espaço relaciona-se à própria sobrevivência da pessoa ou do grupo. Daí que exista a preocupação com o controle do lugar e das pessoas.
Mas ganhar espaço significa a multiplicação de lugares e grupos. Por isso, o lugar, com seis atributos, é determinação da situação populacional, que o modifica, ao crescer.

O problema da posse do lugar é, então decisivo. Posse que, como se viu antes, não significa propriedade nos sentidos econômicos e jurídicos.
Esse lugar é, então, uma disposição de partes, no interior de cada qual repete-se a prática do “nosso”, põe-se o sentido de “nós” e do “eles”, o problema da perda ou do ganho de espaço e a definição da posse. A parte é espaço do todo, mas perfeitamente localizada. A localização é inseparável do uso permanente ou eventual. E, mesmo, possível.
Para que isso ocorra há um desempenho de papéis, definido no processo de vivência do grupo e dos indivíduos. Por isso, há regras de conduta que nascem desse desempenho de papéis, relacionado à hierarquia de poder. Numa situação desse tipo sabe-se que “fora do poder tudo é ilusão”.
Daí as alianças, que se organizam como pactos reais ou simbólicos. Elas são duradouras ou efêmeras, dependendo do que se põe em jogo.
O poder deve, então, ser mantido, uma vez que a atribuição de mando depende não só dessa atribuição, segundo as regras, mas, também, da capacidade pessoal de mantê-lo, para o que se precisa da aprovação, pelo menos, da maioria. Há casos, de transição, em que a minoria pode deter o poder e ter o controle do lugar.
Por isso, pode pôr-se a situação em que a participação nas ações exclui membros do grupo, seja por razões objetivas ou, o que é mais frequente, por motivos subjetivos.
Daí, a dinâmica do lugar ser uma questão permanente de preservação do pedaço, ou, de outro modo, do espaço de vida e do entorno.
Mas a luta pela preservação do espaço de vida e do entorno começa, com o tempo, a modificar as relações que definem o lugar.

A região provisória


Num certo momento põe-se, ao indivíduo, o problema de “o que é meu”. Não se trata, também aqui, das determinações econômicas e jurídicas.
Então põe-se a questão: por que aqui?
Algo acontece com o indivíduo e o grupo, quando se põe o problema da estabilidade do espaço de vida. Antes, o território é referência de fixação. Agora, aregião é lugar de moradia.
A percepção das pessoas modifica-se, de uma relação de conflito, para uma relação de solidariedade. Daí, a pergunta: onde estão os outros?
É que, na passagem do território comum à região provisória, há perdas e ganhos. Modificam-se o grupo e os indivíduos. Modifica-se o lugar. Por isso, põe-se a necessidade de reolhar o entorno. Ele não é o mesmo.
Da determinação anterior põe-se a questão do limite: até onde?
A indeterminação relativa da nova situação implica redefinir o aqui e o ali. O lá e o cá. O embaixo e encima. O atrás e o à frente.
Impõe-se a visão do conjunto que implica a visão espacial.
Do alto, vê-se o horizonte. Vêem-se as nuvens.
Há uma sensação de tranquilidade que põe o problema do “há que pertencer”.
No momento em que a região se define ela já se põe como não-região. À medida que o espaço se expande ele se torna cada vez mais abstrato.
O limite se põe como interferência não determinada pelo território. A região já é a área possível.
Foi ultrapassada a fronteira.
O espaço de vida redefine-se como situação de tensão controlada.

A área de conflito


A determinação mais remota é a sensação de perda de algo que não pode mais ser recuperado. Por isso as comunicações são difíceis. Surgem, então, as necessidades dos contatos imediatos, que produzem e reproduzem as sensações de perda. Então, há interrupções e alternativas.
Há tensões e desgastes.
Impõe-se, então, a retomada de rumo, que implica caminhar em direção à abstração. Por isso, ultrapassa o limite.
O limite é então o lugar e são as relações, na fronteira. Como ultrapassar os limites da fronteira?

Bibliografia

Harvey, D. Social Justice and the City. Edward Arnold (Publishers) Ltd., London, 1976.

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