quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Harvey: Um outro comunismo é possível


David Harvey não só tenta explicar e compreender o desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo; faz também provocações políticas importantes e interessantes. O trecho abaixo inclui não só uma definição de comunismo – que hoje em dia parece que ninguém mais se interessa em discutir – como também um belo chamado à ação. Em outra palavras e trazendo para o Brasil: a política é muto mais do que a pseudo-polarização entre PT e PSDB; aliás, vai muito além de partidos políticos. Bons e poderosos partidos só podem surgir e se desenvolver quando há um bom e forte movimento social. Está mais do que na hora de isto voltar a acontecer.
Comunistas, asseveraram Marx e Engels em sua concepção original apresentada no Manifesto Comunista, não pertencem a partidos políticos. Eles simplesmente constituem-se em todos os momentos e em todos os lugares como aqueles que entendem os limites, deficiências e tendências destrutivas da ordem capitalista, bem como as inúmeras máscaras ideológicas e falsas legitimações que os capitalistas e seus apologistas (sobretudo os meios de comunicação) produzem para perpetuar seu poder de classe. Comunistas são todos aqueles que trabalham incessantemente para produzir um futuro diferente do que anuncia o capitalismo. Essa é uma definição interessante. Ainda que o comunismo institucionalizado tradicional esteja morto e enterrado, há sob essa definição milhões de comunistas ativos de fato entre nós, dispostos a agir de acordo com seus entendimentos, prontos para exercer criativamente imperativos anticapitalistas. Se, como o movimento de globalização alternativa dos anos 1990 declarou, “Um outro mundo é possível”, então por que não dizer também “Um outro comunismo é possível”? As atuais circunstâncias do desenvolvimento capitalista requerem algo deste tipo, se realmente desejamos alcançar a mudança fundamental.
(…)
Na medida em que a indignação e o ultraje moral se constroem em torno da economia da despossessão que de modo tão claro beneficia uma classe capitalista aparentemente toda-poderosa, movimentos políticos necessariamente tão diferentes começam a se fundir, transcendendo as barreiras do espaço e do tempo.
Entender a necessidade política disso exige em primeiro lugar que o enigma do capital seja desvendado. Uma vez que sua máscara é arrancada e seus mistérios são postos a nu, é mais fácil ver o que tem de ser feito e por quê, e como começar a fazê-lo. O capitalismo nunca vai cair por si próprio. Terá de ser empurrado. A acumulação de capital nunca vai cessar. Terá de ser interrompida. A classe capitalista nunca vai entregar voluntariamente seu poder. Terá de ser despossuída.
(David Harvey: O enigma do capital. São Paulo: boitempo, 2011, pág. 208-9)

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Ano novo com Rosa Luxemburgo

 Cravos depositados na lápide de Rosa Luxemburgo em Berlim (Foto Deutsche Welle)
"Veja, justamente da história dos últimos anos e, olhando a partir dela, da história como um todo, eu aprendi que não se deve superestimar a ação de um único indivíduo. Em última análise, são as grandes forças invisíveis, plutônicas, das profundezas que agem e decidem, e se poderia dizer que no fim tudo se acomoda 'por si mesmo'.  Não me entenda mal: não estou aqui expressando algum tipo de cômodo otimismo fatalista que busca disfarçar a própria impotência, coisa que tanto odeio em seu prezado marido. Não, não, estou o tempo todo a postos e na primeira oportunidade voltarei a cair com todos os dez dedos sobre o teclado do piano do mundo até fazê-lo trovejar. Mas como agora estou 'em férias' da história mundial, não por culpa minha, e sim por imposição externa, eu rio à beça, fico feliz se a coisa anda mesmo sem mim e acredito firmemente que andará bem. A história quase sempre sabe a melhor maneira de encontrar a saída justamente quando da maneira mais desesperada parece ter se metido num beco sem saída."
Carta de Rosa Luxemburgo à Luise Kautsky, 15 de abril de 1917.
Publicado em: Rosa Luxemburgo: cartas: volume III. Organização de Isabel Louzeiro. São Paulo: Unesp, 2011, pág. 299.

Pequenas notas: a) Luise Kautsky foi a segunda mulher de Karl Kautsky. Rosa continuou amiga dela mesmo depois de romper politicamente com Karl. Por isso o "coisa que tanto odeio em seu prezado marido". b) "em férias da história mundial": a carta foi escrita da prisão.