quarta-feira, 1 de julho de 2015

O Fascismo que se avizinha


The enigma of Hitler (El enigma de Hitler) 1939 Óleo/tela 95x141 cm (37.40" x 55.51")
Firmado y fechado en la parte inferior central: Gala Salvador Dali 1939
Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madrid. Legado Dalí
O fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório de todas as reações irracionais do caráter do homem médio. O sociólogo tacanho, a quem falta coragem para reconhecer o papel fundamental do irracional na história da humanidade, considera a teoria fascista da raça como mero interesse imperialista ou, apenas, como simples "preconceito". O mesmo acontece com o político irresponsável e palavroso: a extensão da violência e a ampla propagação desses "preconceitos raciais" são prova da sua origem na parte irracional do caráter humano. A teoria racial não é uma criação do fascismo. Pelo contrário, o fascismo é um produto do ódio racial e a sua expressão politicamente organizada. (p. 12)
A mentalidade fascista é a mentalidade do "Zé Ninguém", que é subjugado, sedento de autoridade e, ao mesmo tempo, revoltado. Não é por acaso que todos os ditadores fascistas são oriundos do ambiente reacionário do "Zé Ninguém". O magnata industrial e o militarista feudal não fazem mais do que aproveitar-se deste fato social para os seus próprios fins, depois de ele se ter desenvolvido no domínio da repressão generalizada dos impulsos vitais. Sob a forma de fascismo, a civilização autoritária e mecanicista colhe no "Zé Ninguém" reprimido nada mais do que aquilo que ele semeou nas massas de seres humanos subjugados, por meio do misticismo, militarismo e automatismo durante séculos. O "Zé Ninguém" observou bem demais o comportamento do grande homem, e o reproduz de modo distorcido e grotesco. O fascista é o segundo sargento do exército gigantesco da nossa civilização industrial gravemente doente. (p. 13)
Wilhelm Reich: Psicologia de massas do fascismo
Os trechos acima são um alerta e um lembrete sobre o que anda acontecendo no Brasil nestes últimos meses. Alguém por acaso já reparou que não há argumento racional possível de diálogo com os “revoltados”? Este é um dos erros (de incontáveis, a esta altura do campeonato) do PT. Por exemplo: argumentar que não é o único Partido envolvido em corrupção e sequer o Partido com o maior número de corruptos é um argumento racional, mas não é racionalidade que a massa fascista quer (por isso, lembremos, ela é fascista). Argumentar racionalmente com os “manifestantes” que não faz sentido eles portarem cartaz contra o “comunismo-bolivarianismo petista”, pois o que o PT fez foi aprofundar as relações capitalistas estendendo-as aos antes excluídos do mercado é um argumento racional. Novamente: não há racionalidade nas manifestações, pela simples razão que o ódio não é racional. Reich falava do ódio racial. Sob certos aspectos, hoje é pior, pois além do ódio racial, há o ódio aos pobres, nordestinos, gays e etc, etc, etc.
A desgraça da classe média “revoltada” é que ela é exatamente o que Reich falava das massas do fascismo: “zé ninguém”. A classe média revoltada está sempre atrás de um padrão de consumo dos ricos que não consegue ter, de um reconhecimento que nunca terá, pois não passa de massa de manobra de uma burguesia rentista e atrasada, a mesma que o PT nunca soube e/ou não quis combater. Mas não é o PT o foco deste texto. Num livro pouco conhecido de 1974, Bolivar Costa fala sobre as camadas médias:
“O avanço do proletariado afeta diretamente os interesses da pequena-burguesia produtora, na medida em que esta, impossibilitada de seguir os passos do complexo mercantil-industrial - que compensa a “diminuição” da renda mediante, principalmente, a introdução de inovações tecnológicas - apóia por inteiro seu poder de sobrevivência na intensificação da exploração do trabalho assalariado. Daí a necessidade de se aliar à oligarquia nas já famosas e clássicas frentes “salvacionistas” contra as greves, as campanhas de esclarecimento e os movimentos reformistas.
Montam-se então os cenários da farsa tantas vezes representada no curso da história contemporânea, cujo tema central tem sido a eterna mobilização das camadas médias para conjurar a desordem que ameaça o corpo social, ajudando a varrer a “corrupção” e a “subversão”. É assim que os setores médios colocam nas mãos do núcleo oligárquico os instrumentos com os quais ele golpeia mais facilmente as instituições, suprimindo as liberdades democráticas e promovendo o retorno do governo forte.” (pág. 54)
E, “novamente na história”, estão pedindo uma intervenção… é quase cansativo lembrar, mas inevitável: a história se repete como farsa?
Por fim, cabe lembrar que o comportamento fascista da “massa cheirosa” está baseada no fato de que sim, o PT tem corruptos entre os seus. E esta é uma das forças das manifestações atuais: a ideologia só funciona quando ela não é uma mentira deslavada; como aliás lembrou Marilena Chauí muito tempo atrás, a força da ideologia está em seu caráter lacunar: é porque não diz tudo e não pode dizer tudo que o discurso ideológico é coerente e poderoso. O discurso ideológico se sustenta, justamente, porque não pode dizer até o fim aquilo que pretende dizer (p. 22). Em palavras simples: para funcionar enquanto ideologia, deve-se martelar que o PT e só o PT é corrupto e deve ser combatido; preencher as lacunas com a corrupção empresarial, por exemplo, esvaziaria o discurso; falar do PSDB, esvaziaria o discurso, e assim sucessivamente.
Voltando ao início: como combater com racionalidade um discurso que é ao mesmo tempo ideológico e irracional? Como combater o fascismo, pois é disto que se trata?
Sinto muito, não tenho a resposta completa. O que posso dizer é que, para alguém que vem de uma geração que viu o fim da ditadura e o processo de redemocratização, o momento atual está parecendo sombrio demais. Mas, mesmo assim, é preciso denunciar o fascismo, pois a história já mostrou que o silêncio e a indiferença deixam o caminho livre para a intolerância e a ignorância, alimentos por excelência da besta fascista.
 

Livros citados:

CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Moderna, 1982.
COSTA, Bolivar. O drama da classe média. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1974
REICH, Wilheim. Psicologia de massa do Fascismo. São Paulo: martins Fontes, 1998.

domingo, 12 de outubro de 2014

Geógr@fos com Dilma


Exercer a crítica também é saber escolher lado. Escolher lado não significa se eximir da crítica (inclusive de quem apoiamos). Neste segundo turno, meu lado é Dilma.

Visitaste o blog por causa da Geografia? Que tal escolher lado e assinar o manifesto Geógr@fos com Dilma? 

É só clicar no link

quinta-feira, 5 de junho de 2014

David Harvey sobre o livro de Piketty


O texto abaixo encontrei publicado no seguinte blog: redecastorphoto

Para acessar o original, siga o link do sítio do próprio David Harvey aí do lado ou siga este link direto para o texto em inglês

[*] David Harvey − Reading Marx's Capital with David Harvey
“Afterthoughts on Piketty’s Capital”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Thomas Piketty escreveu um livro intitulado Capital que causou furor. Advoga a taxação progressiva e um imposto sobre a riqueza global como único modo para conter a tendência na direção de criar-se uma forma “patrimonial” de capitalismo, marcado por – como diz ele – desigualdades “aterrorizantes” de riqueza e renda. Também documenta, em detalhes dolorosíssimos e difíceis de retrucar, o modo como a desigualdade social de riqueza e de renda evoluiu ao longo dos dois últimos séculos, com especial atenção ao papel da riqueza.
Tomas Piketty também demole a visão amplamente disseminada segundo a qual o capitalismo de livre mercado distribuiria riqueza e que seria o grande instrumento para defender as liberdades e direitos individuais. O capitalismo de livre-mercado, na ausência de qualquer intervenção de redistribuição pelo Estado, como Piketty mostra, só produz oligarquias antidemocráticas. Essa demonstração gerou crises de apoplexia entre os liberais, como se viu no apoplético Wall Street Journal.

O livro tem sido apresentado como substituto do século XXI, para obra de mesmo título de Karl Marx, no século XIX. Piketty, de fato, nega que tenha tido tal intenção, o que me parece bem razoável, posto que o seu livro absolutamente não trata de capital. Absolutamente não nos diz por que aconteceu o crash de 2008 nem por que está demorando tanto para tanta gente livrar-se da dupla carga do desemprego prolongado e das milhões de casas perdidas para bancos credores. Tampouco ajuda a compreender por que o crescimento anda tão miserável nos EUA, ao contrário do que se vê na China, nem por que a Europa está aprisionada numa política de austeridade tanto quanto numa economia de estagnação.

O que Piketty, isso sim, mostra estatisticamente (e muito temos a agradecer a ele e sua equipe pelas estatísticas) é que o capital sempre tendeu, ao longo de toda sua história, a produzir níveis cada vez maiores de desigualdade. Não que seja novidade para muitos de nós. Além do mais, é essa, precisamente, a conclusão teórica a que chega Marx no Volume Um de sua versão de O Capital. Piketty sequer percebe a coincidência, o que não chega a surpreender, porque ele já disse inúmeras vezes, em resposta a acusações da imprensa-empresa de direita, de que ele seria um marxista disfarçado, que jamais leu O Capital, de Marx.

Piketty reúne muitos dados em apoio a seus argumentos. O que diz das diferenças entre renda e riqueza é útil e persuasório. E defende atentamente os impostos sobre a herança, a taxação progressiva e um imposto sobre a riqueza global na medida do possível (embora, quase com certeza, não seja politicamente viável), como antídotos contra concentração ainda maior de riqueza e poder.

Mas por que ocorre essa tendência na direção de desigualdade sempre crescente ao longo do tempo? Considerados seus dados (temperados com algumas alusões literárias a Jane Austen e Balzac), ele deriva uma lei matemática para explicar o que acontece: a acumulação sempre crescente de riqueza pelos tais famosos 1% (termo popularizado graças ao curso do movimento “Occupy”) deve-se ao simples fato de que a taxa de retorno sobre o capital (r) é sempre maior que a taxa de crescimento da renda (g). Isso, diz Piketty, é e sempre foi “a contradição central” do capital.

Mas uma regularidade estatística dessa ordem dificilmente seria explicação adequada, muito menos viraria lei. Assim sendo, que forças produzem e sustentam tal contradição? Piketty não diz. A lei é a lei e... não se fala mais nisso. Marx obviamente teria atribuído a existência de tal lei ao desequilíbrio de poder entre capital e trabalho. E é explicação que ainda se mantém em pé. O firme declínio da fatia do trabalho na renda nacional desde os anos 1970s derivou do declínio do poder político e econômico do trabalho, com o capital mobilizando políticas de tecnologias, de desemprego, de deslocalização e políticas anti-trabalho (como as de Margaret Thatcher e Ronald Reagan) para esmagar toda a oposição.
Como Alan Budd, conselheiro econômico de Margaret Thatcher confessou em momento de descuido, as políticas anti-inflação dos anos 1980s mostraram-se
(...) excelente modo de aumentar o desemprego; e aumentar o desemprego revelou-se modo altamente desejável para reduzir a força das classes trabalhadoras (...) O que foi ali construído em termos marxistas foi uma crise do capitalismo que recriou um exército de reserva de mão de obra, e permitiu que os capitalistas obtivessem altos lucros desde então.
A disparidade na remuneração entre trabalhadores médios e os altos executivos−gerentes permaneceu em torno de 30:1 em 1970. Hoje já está bem acima de 300:1, e no caso da empresa MacDonalds é superior a 1.200:1.

Mas no Volume 2 de O Capital de Marx (que já se sabe que Piketty também não leu, dado que descarta o que ali leria), Marx destacou que a tendência do capital para mandar abaixo os salários chegaria, num certo ponto, a restringir a capacidade de o mercado absorver o que o capital produzisse. Henry Ford identificou esse dilema há muito tempo, quando mandou pagar US$ 5 por dia de oito horas de trabalho aos seus operários, para, disse ele, estimular uma demanda de consumo. Muitos disseram que a falta de demanda efetiva levou à Grande Depressão dos anos 1930s. Foi o que inspirou as políticas expansionistas Keynesianas de depois da IIª Guerra Mundial e resultou em algumas reduções em desigualdades de rendas (embora nem tanto nas da riqueza) em pleno forte crescimento gerado por demanda. Mas essa solução repousava sobre o relativo empoderamento do trabalho e a construção do “estado social” (termo de Piketty) que os impostos progressivos criaram.
Tudo considerado – Piketty escreve – ao longo do período 1932-1980, quase meio século, a mais alta taxa de imposto federal nos EUA foi em média 81%.
E isso de modo algum reduziu o crescimento (mais um dado dos que Piketty reuniu, que desmente crenças da direita).

Ao final dos anos 1960s, já era claro para muitos capitalistas que tinham de fazer alguma coisa contra o excessivo poder do trabalho. Daí a destituição de Keynes, arrancado do panteão dos economistas respeitáveis; a mudança para o pensamento de Milton Friedman que pensa pelo lado da oferta; a cruzada para estabilizar, quando não para reduzir impostos, para desconstruir o estado social e para disciplinar as forças do trabalho. Depois de 1980, os impostos caíram e os ganhos de capital – fonte importante de renda para os ultra ricos – foram taxados em patamar muito inferior nos EUA, o que aumentou muito o fluxo da riqueza na direção do 1% de cima. Mas o impacto sobre o crescimento, como Piketty mostra, foi desprezível. O tal “efeito contaminação” dos benefícios dos ricos para o resto (outra das crenças preferidas da direita) não funciona. Nada disso foi ditado por qualquer lei matemática: tudo aí foi sempre questão política.

Mas então o timão fez volta completa e a pergunta passou a ser: que fim levou a demanda? Piketty ignora sistematicamente essa pergunta.

Os anos 1990s fugiram de ter de responder, com vasta expansão do crédito, incluindo a extensão do financiamento de hipotecas na direção dos mercados de papeis podres. Mas a bolha resultante estava condenada a explodir, como explodiu, em 2007-8, levando abaixo os Lehman Brothers e todo o sistema de crédito. Mas os lucros e a maior concentração de riqueza privada recuperaram-se muito rapidamente depois de 2009, enquanto tudo e todos continuaram a ir mal e cada vez mais mal. As taxas de lucro dos negócios são hoje tão altas como sempre foram nos EUA. Os negócios estão sentados sobre montes de dinheiro e recusam-se a gastá-lo porque o mercado não mostra condições robustas.

A formulação, por Piketty, da lei matemática disfarça, mais do que revela, a política de classes envolvida. Como Warren Buffett observou,
(...) claro que há guerra de classe, e é a minha classe, os ricos, que fazem a guerra; e estamos ganhando.
Uma medida chave da vitória deles é a crescente disparidade de riqueza e renda do 1% do topo, em relação a todos as demais pessoas.

Mas há, contudo, uma dificuldade central com o argumento de Piketty. Ele repousa – no sentido de “ele depende” – numa definição errada de capital. Capital é um processo, não uma coisa. É um processo de circulação no qual o dinheiro é usado para fazer mais dinheiro quase sempre, mas não exclusivamente, mediante a exploração da força de trabalho.
Piketty define capital como o estoque de todos os bens de propriedade de indivíduos privados, corporações e governos e que podem ser comercializados no mercado não importa se aqueles ativos estão sendo usados ou não. Aí se inclui terra, imóveis e direitos de propriedade intelectual tanto quanto minha coleção de joias e peças de arte. Como determinar o valor de todas essas coisas é um difícil problema técnico para o qual não há solução unanimemente aceita.

Para calcular uma taxa significativa de retorno, “r”, temos de ter algum modo de atribuir valor ao capital inicial. Infelizmente, não há modo de atribuir-lhe valor independentemente do valor dos bens e serviços que ele é usado para produzir ou por quanto pode ser vendido no mercado. Todo o pensamento econômico neoclássico (que é a base do pensamento de Piketty) é fundado sobre uma tautologia.

A taxa de retorno sobre o capital depende crucialmente da taxa de crescimento, porque para atribuir valor ao capital considera-se o que ele produz, não o que foi usado para produzi-lo. Seu valor é pesadamente influenciado por condições especulativas e pode ser seriamente distorcido pela famosa “exuberância irracional” que Greenspan diagnosticou como típica dos mercados de ações e de moradias. Se se subtrai moradia e propriedades imóveis – para nem falar do valor de coleções de arte dos donos de hedge funds – da definição de capital (e o argumento para incluí-las é bem fraco), nesse caso a explicação de Piketty para as crescentes disparidades em riqueza e renda cairiam de cara no chão, embora as descrições que oferece do estado das desigualdades presentes e passadas ainda se mantivessem em pé.

Dinheiro, terra, imóveis e fábricas e equipamento que não estejam sendo usados produtivamente não são capital. Se a taxa de retorno sobre o capital que está sendo usado é alta, então assim é porque uma parte do capital é tirada de circulação e, pode-se dizer, entra em greve. Restringir a oferta de capital a novos investimentos (fenômeno que testemunhamos agora) garante alta taxa de retorno sobre aquele capital que está em circulação.

A criação de tal carência artificial não é só o que as empresas de petróleo fazem para garantir suas altas taxas de retorno: é o que todo e qualquer capital faz se tiver chance. Isso é o que está na base da tendência de a taxa de retorno sobre o capital (não importa como seja definido e medido) sempre exceder a taxa de crescimento da renda. É assim que o capital garante a própria reprodução, não importa o quão desconfortáveis sejam as consequências, para o resto de nós. E é disso que a classe capitalista vive.

Há muito de trabalho valiosíssimo nas tabelas de dados que Piketty reuniu. Mas sua explicação de por que as desigualdades e as tendências oligárquicas surgem, essa, é gravemente viciada. Suas propostas, seus remédios para as desigualdades, são ingênuos, se não utópicos. E com certeza absoluta Piketty não produziu modelo operativo para o capital no século XXI. Para essa finalidade, ainda precisamos de Marx e permanecemos à espera de equivalente contemporâneo

quarta-feira, 14 de maio de 2014

O pânico dos conservadores por causa de um livro


Ainda nem apareceu em português, mas o novo livro do francês Thomas Piketty já está dando o que falar também no Brasil. E isto que por falta de acesso aos dados sobre a riqueza do topo da pirâmide brasileira, nosso país não foi incluído nas análises do livro.
A tese é velha mas profundamente documentada e provada: o neoliberalismo está concentrando riqueza e, mais importante, que o aumento da riqueza do topo não vem de atividades produtivas, mas sim puramente de herança e rendimentos financeiros.

Para ler um comentário do Prêmio Nobel Paul Krugman, siga por aqui (texto que deu origem a este post). Aliás, por que quase não se vê na Geografia discussão de suas propostas e pesquisas sobre a "Nova geografia econômica"? Mistérios.

De qualquer maneira, vejam o trecho inicial da análise do link acima:
"O novo livro do economista francês Thomas Piketty, “O capital no século XXI”, é um prodígio de honestidade. Outros livros de economia foram um sucesso nas vendas, mas diferentemente da maioria deles, a contribuição de Piketty tem uma séria erudição, capaz de mudar a retórica. E os conservadores estão aterrorizados.Por isso, James Pethokoukis, do American Interprise Institute, adverte na revista “National Review” que o trabalho de Piketty precisa ser refutado porque, do contrário, “se propagará entre a clerezia e dará nova forma ao cenário da economia política em que serão travadas todas as futuras batalhas sobre política”.Pois bem, lhes desejo boa sorte nesta empreitada. Por enquanto, o que de fato surpreende no debate é a direita parecer incapaz de organizar qualquer tipo de contra-ataque significativo à tese de Piketty."
Para um comentário sobre as dificuldades de Piketty em conseguir os dados brasileiros, veja a seguinte reportagem:
Diário do Centro do Mundo

A equipe de economistas e pesquisadores de Piketty tem um site com dados levantados durante a feitura do livro e que promete, para breve, informações para mais 50 países - incluindo o Brasil. Para quem quiser dados de deixar os conservadores num debate quase sem ter o que falar, a não ser espumar, aqui está:
The World Top Incomes Database

quarta-feira, 30 de abril de 2014

O ESPAÇO NO LUGAR?


Dando seqüência à serie, mais um texto de Armando Corrêa da Silva:

O ESPAÇO NO LUGAR?


A crise da Geografia tem uma vantagem em relação à crise dos demais campos do conhecimento. A reflexão filosófica dela esteve ausente durante muito tempo: mais precisamente, alguns clássicos ainda a praticaram, mas a deficiência do preparo filosófico constitui sempre uma barreira ao encaminhamento da solução.
O “terra-a-terra” dos geógrafos deve explicar-se como determinação de seu objeto e, ao mesmo tempo, como a preocupação mais com o território do que com a região, a área, o lugar e o espaço. Mais com o lugar, tomado isoladamente (ideograficamente) do que com as relações espaciais. A preocupação recente com estas não partiu da reflexão, mas foi determinação externa de um mundo cada vez mais unido pelas comunicações, que põe em crise a atomização local, regional e nacional.
Cabe, então, mesmo que tardiamente, retomar a reflexão. Mas esta não se põe, se o problema filosófico não está resolvido.
Por isso, mesmo que de forma autodidata, arrisco a fazer aqui algumas observações sobre o movimento da razão científica, tal como o entendo, na realização da produção intelectual.
O procedimento didático impõe-se, então, como instrumento de clarificação da proposição.

Da práxis à epistemologia

A práxis implica uma demonstração teórica e em uma demonstração prática.
A primeira remete à consistência do argumento e a segunda à verificação empírica. O trabalho intelectual científico tem essa característica.
É essa práxis que constitui a gênese da produção da teoria, que se realiza como proposição e argumento ontológicos.
A ontologia, uma vez delineada, remete à epistemologia.
A epistemologia, enquanto discurso crítico, baseia-se na gnosiologia, na teoria do conhecimento, na lógica e na metodologia.
Vejamos cada ma delas, pois disso depende a elaboração do saber, que constitui o input de uma nova realização da práxis.
O que se segue são suposições, que podem ser compreendidas como hipóteses sistêmicas.
Em gnosiologia o ponto de partida é o raciocínio. Produzindo o conceito-ideia, ele leva à compreensão. O conceito-ideia expressa-se como categoria, que remete à memória cultural, voltando em feed-back ao raciocínio.
O raciocínio produz a consciência, que é conceito-ideia e compreensão. Mas a consciência não pode realizar-se sem a intuição. É nessa relação que se põe a pré-ideação. Por isso, também a impressão-expressão. Esta causa a emoção (que é manifestação da social-natural da humanidade). A memória cultural registra a pré-ideação.
A intuição remete à sensibilidade que é a forma de pôr-se a sensação (o sensível), e o sistema nervoso, que programa a memória genética. Esta põe-se como feed-back do sistema nervoso. Por isso, a memória genética registra também a pré-ideação.
A memória genética e a memória cultural entram em interação como determinações naturais e sociais.
Então, a gnosiologia estuda a estrutura e funcionamento do conhecimento.
A teoria do conhecimento propõe-se, inicialmente, como conteúdo e forma. O conteúdo, como significado, apresenta-se como real e aparente. A forma, como significante, apresenta-se, igualmente, como real e aparente.
Há, então, uma estrutura e funcionamento do conhecer, que se põe, desde logo, como linguagem. Há a linguagem do senso comum e a linguagem do conhecimento científico. A linguagem é relação sujeito-objeto como prática ou como teoria. No primeiro caso, ela remete à verificação empírica e ao comportamento. Por isso, é a transformação inadequada do real; a verdade, a transformação adequada do real. No segundo caso, ela remete às representações lógicas e às ideias. Por isso, o erro é o conhecimento das aparências das determinações; a verdade, o conhecimento das essências das determinações.
Essa estrutura e funcionamento do conhecer produz, como resultado, a verdade lógica, como conhecimento da essência das determinações, o que leva à solução do problema: produz, também, a verdade empírica, como transformação adequada do real, que corresponde à satisfação da necessidade e, por isso, remete à solução do problema.
A verdade lógica é input da relação inicial de conteúdo-forma, do mesmo modo que a verdade empírica.
Este sistema fechado tem modalidades de coerência interna.
A lógica dá conta desta coerência interna, enquanto estrutura e funcionamento do pensamento.
Em primeiro lugar, como símbolo e sinal, significado e significante.
Em segundo lugar, como afirmação, negação e negação da negação.
Em terceiro lugar, como identidade, não contradição e terceiro excluído.
Em quarto lugar, como parte e todo.
Assim, como lógica simbólica, como lógica dialética, como lógica formal e como lógica estrutural.
O conjunto da estrutura e funcionamento do pensamento põe-se então, sistematicamente, como interação entre significado e movimento, significado e forma, significado e análise, que é output do significado.
Mas como realizar essas operações?
A metodologia procura ser a resposta.
Ela lida com a explicação e a descrição. A explicação é encadeamento de raciocínios, que produzem a interpretação. Ela é a mediação entre o concreto lógico e a abstração. A descrição, que se subdivide em hipótese, observação, análise e generalização, produz a investigação, que é mediação entre a abstração e o concreto sensível.
Se se caminha do concreto lógico ao concreto lógico, da abstração à abstração, do concreto sensível ao concreto sensível, tem-se a dedução. Então, a explicação é sempre um processo de dedução. Se a caminhada do concreto lógico à abstração e desta ao concreto sensível, ou do concreto sensível à abstração e desta ao concreto lógico, tem-se a indução. Dedução e indução relacionam-se porque não há explicação sem descrição e descrição sem explicação no conjunto do pensar.
A epistemologia produz-se, então, como discurso estrutural-funcional, que se expressa como comunicação. 
O problema realmente difícil põe-se como registro de uma nova programação, que implica sempre a decodificação da mensagem. Por isso, o feed-back é sempre ontológico ou, mesmo, metafísico. Mas decodificá-lo é retomar o processo de produção da ontologia.
Põe-se o aplicar da proposição, como trabalho intelectual científico referido ao objeto da geografia.

(SILVA, Armando Corrêa da. De quem é o pedaço? Espaço e cultura. São Paulo: HUCITEC, 1986, pág. 131-134)

terça-feira, 15 de abril de 2014

Maria da Conceição Tavares

É possível discordar de algumas de suas posições, mas é impossível ficar indiferente. Mesmo quando está pessimista, ler seus textos ou ouvi-la falando é uma injeção de ânimo, no sentido de que ela ainda, no alto de seus 84 anos, consegue sacudir a poeira da indigência de muito dos debates e polêmicas atuais.

O texto completo, você encontra aqui.

Algumas passagens:

"Neste sentido, o século XXI se parece com o século XIX. Este desarranjo da coisa mundial, global... No século XIX, a Inglaterra era o império. Agora, os Estados Unidos... Também há uma contradição muito grande: um bruto desenvolvimento tecnológico, uma globalização de mercado que supera o século XIX. Mas o individualismo burguês, bem ou mal, tinha uma face progressista. O individualismo pequeno-burguês não tem face nenhuma! É uma coisa chata! É uma crise que se manifesta pela ausência, pelo vácuo e não sai daí. É um nó só. Ninguém sabe como desata!"

"Na verdade, se o PIB é “pibinho” ou não, qual o problema? Vai ser 2%, 3% ou 4%? O problema é ter emprego. Para mim, os critérios clássicos são emprego, salário mínimo e ascensão social das bases.

"Haja vista os nefastos episódios desses máscaras negras – os black blocs, esses garotos de merda –, a energia que fica é a da violência. Não sei até que ponto o povo propriamente dito precisa de utopia. Mas a classe média precisa. Não tendo, ela transforma sua mágoa em ódio. De fato, quem promove a violência não são os deserdados da terra, para quem as coisas melhoraram; são da classe média baixa. A energia só está se manifestando através da violência. Não tem energia utópica, só através da violência. Não tem utopia, só distopias. É só o aqui, agora; quero derrubar isto, derrubar aquilo. Não tem objetivo programático! É uma coisa esquisitíssima, enlouquecida: é fascistoide e anarquista ao mesmo tempo."