quarta-feira, 1 de julho de 2015

O Fascismo que se avizinha


The enigma of Hitler (El enigma de Hitler) 1939 Óleo/tela 95x141 cm (37.40" x 55.51")
Firmado y fechado en la parte inferior central: Gala Salvador Dali 1939
Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madrid. Legado Dalí
O fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório de todas as reações irracionais do caráter do homem médio. O sociólogo tacanho, a quem falta coragem para reconhecer o papel fundamental do irracional na história da humanidade, considera a teoria fascista da raça como mero interesse imperialista ou, apenas, como simples "preconceito". O mesmo acontece com o político irresponsável e palavroso: a extensão da violência e a ampla propagação desses "preconceitos raciais" são prova da sua origem na parte irracional do caráter humano. A teoria racial não é uma criação do fascismo. Pelo contrário, o fascismo é um produto do ódio racial e a sua expressão politicamente organizada. (p. 12)
A mentalidade fascista é a mentalidade do "Zé Ninguém", que é subjugado, sedento de autoridade e, ao mesmo tempo, revoltado. Não é por acaso que todos os ditadores fascistas são oriundos do ambiente reacionário do "Zé Ninguém". O magnata industrial e o militarista feudal não fazem mais do que aproveitar-se deste fato social para os seus próprios fins, depois de ele se ter desenvolvido no domínio da repressão generalizada dos impulsos vitais. Sob a forma de fascismo, a civilização autoritária e mecanicista colhe no "Zé Ninguém" reprimido nada mais do que aquilo que ele semeou nas massas de seres humanos subjugados, por meio do misticismo, militarismo e automatismo durante séculos. O "Zé Ninguém" observou bem demais o comportamento do grande homem, e o reproduz de modo distorcido e grotesco. O fascista é o segundo sargento do exército gigantesco da nossa civilização industrial gravemente doente. (p. 13)
Wilhelm Reich: Psicologia de massas do fascismo
Os trechos acima são um alerta e um lembrete sobre o que anda acontecendo no Brasil nestes últimos meses. Alguém por acaso já reparou que não há argumento racional possível de diálogo com os “revoltados”? Este é um dos erros (de incontáveis, a esta altura do campeonato) do PT. Por exemplo: argumentar que não é o único Partido envolvido em corrupção e sequer o Partido com o maior número de corruptos é um argumento racional, mas não é racionalidade que a massa fascista quer (por isso, lembremos, ela é fascista). Argumentar racionalmente com os “manifestantes” que não faz sentido eles portarem cartaz contra o “comunismo-bolivarianismo petista”, pois o que o PT fez foi aprofundar as relações capitalistas estendendo-as aos antes excluídos do mercado é um argumento racional. Novamente: não há racionalidade nas manifestações, pela simples razão que o ódio não é racional. Reich falava do ódio racial. Sob certos aspectos, hoje é pior, pois além do ódio racial, há o ódio aos pobres, nordestinos, gays e etc, etc, etc.
A desgraça da classe média “revoltada” é que ela é exatamente o que Reich falava das massas do fascismo: “zé ninguém”. A classe média revoltada está sempre atrás de um padrão de consumo dos ricos que não consegue ter, de um reconhecimento que nunca terá, pois não passa de massa de manobra de uma burguesia rentista e atrasada, a mesma que o PT nunca soube e/ou não quis combater. Mas não é o PT o foco deste texto. Num livro pouco conhecido de 1974, Bolivar Costa fala sobre as camadas médias:
“O avanço do proletariado afeta diretamente os interesses da pequena-burguesia produtora, na medida em que esta, impossibilitada de seguir os passos do complexo mercantil-industrial - que compensa a “diminuição” da renda mediante, principalmente, a introdução de inovações tecnológicas - apóia por inteiro seu poder de sobrevivência na intensificação da exploração do trabalho assalariado. Daí a necessidade de se aliar à oligarquia nas já famosas e clássicas frentes “salvacionistas” contra as greves, as campanhas de esclarecimento e os movimentos reformistas.
Montam-se então os cenários da farsa tantas vezes representada no curso da história contemporânea, cujo tema central tem sido a eterna mobilização das camadas médias para conjurar a desordem que ameaça o corpo social, ajudando a varrer a “corrupção” e a “subversão”. É assim que os setores médios colocam nas mãos do núcleo oligárquico os instrumentos com os quais ele golpeia mais facilmente as instituições, suprimindo as liberdades democráticas e promovendo o retorno do governo forte.” (pág. 54)
E, “novamente na história”, estão pedindo uma intervenção… é quase cansativo lembrar, mas inevitável: a história se repete como farsa?
Por fim, cabe lembrar que o comportamento fascista da “massa cheirosa” está baseada no fato de que sim, o PT tem corruptos entre os seus. E esta é uma das forças das manifestações atuais: a ideologia só funciona quando ela não é uma mentira deslavada; como aliás lembrou Marilena Chauí muito tempo atrás, a força da ideologia está em seu caráter lacunar: é porque não diz tudo e não pode dizer tudo que o discurso ideológico é coerente e poderoso. O discurso ideológico se sustenta, justamente, porque não pode dizer até o fim aquilo que pretende dizer (p. 22). Em palavras simples: para funcionar enquanto ideologia, deve-se martelar que o PT e só o PT é corrupto e deve ser combatido; preencher as lacunas com a corrupção empresarial, por exemplo, esvaziaria o discurso; falar do PSDB, esvaziaria o discurso, e assim sucessivamente.
Voltando ao início: como combater com racionalidade um discurso que é ao mesmo tempo ideológico e irracional? Como combater o fascismo, pois é disto que se trata?
Sinto muito, não tenho a resposta completa. O que posso dizer é que, para alguém que vem de uma geração que viu o fim da ditadura e o processo de redemocratização, o momento atual está parecendo sombrio demais. Mas, mesmo assim, é preciso denunciar o fascismo, pois a história já mostrou que o silêncio e a indiferença deixam o caminho livre para a intolerância e a ignorância, alimentos por excelência da besta fascista.
 

Livros citados:

CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Moderna, 1982.
COSTA, Bolivar. O drama da classe média. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1974
REICH, Wilheim. Psicologia de massa do Fascismo. São Paulo: martins Fontes, 1998.

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