domingo, 29 de abril de 2012

Arena do Grêmio e o ônus das obras do entorno

Foto: Lucimar F. Siqueira
Como muitos já sabem, em 14 de outubro de 2010, a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul aprovou por unanimidade (sim, sem nenhum voto contrário) a LEI Nº 13.526 introduzindo alterações na Lei original que instituiu o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (mais conhecida como ICMS). Ficaram isentos de ICMS até o valor de 30 milhões cada um, Grêmio de Football Portoalegrense e Sport Club Internacional, a pretexto de facilitar os andamentos das obras de preparação para a Copa 2014. O que a construção da Arena do Grêmio - particular, entre dois entes privados: Grêmio e OAS - tem a ver com a Copa? Nada, mas isto parece importar? Foi simplesmente aprovado pelo medo dos deputados de desagradar a uma das "metades" do RS. isto é tão absurdamente ridículo que fica até difícil tentar explicar para alguém de fora do Rio Grande do Sul. Ouso dizer que GRENAL é um tabu maior no Estado do que a separação entre Igreja/Estado. Já se conseguiu aprovar a retirada de crucifixos dos tribunais, mas ninguém ousa ir contra interesses que são particulares, de Clubes de Futebol, não dos Gaúchos como um todo.

E agora, se não bastasse a farra das isenções, o presidente do Grêmio vem se queixar do atraso das obras de entorna da Arena. Como disse para um jornal: "- Já não vai ter a 448 para a inauguração da Arena. Agora diz que não vai ter asfalto? Eu espero pelo menos isso, que esteja asfaltado."

Então estamos assim: como faz parte da "paixão" de metade dos gaúchos, o Grêmio consegue ter a área do estádio Olímpico doada pelo poder público (para quem não sabe, não pertencia ao Grêmio, mas ao município de Porto Alegre). Esta doação (quando é Clube de futebol, somos todos bonzinhos, não?) foi feita para que o Grêmio pudesse repassar a atual área do Estádio Olímpico para a OAS, numa das muitas facetas do acordo para a construção da nova casa do Clube. Seguindo: A OAS compra a preço de banana e com isenções fiscais uma gigantesca área no bairro Humaitá, onde está erguendo a Arena e onde construirá torres comerciais e residenciais que, segundo as previsões de quando estiver completamente pronta, significarão mais de 20.000 pessoas circulando/morando diariamente no local.

Ora, é mais que sabido que grandes obras impactam o lugar onde acontecem. Também é mais que conhecido em Porto Alegre o fato de que todas (sim, todas) as grandes obras recentes (hipermercados, shoppings, etc) foram obrigadas pelo poder público a fazer as obras de entorno como contrapartida do impacto na vizinhança, no trânsito, etc. Só para lembrar: Foi o Shopping Praia de Belas quem duplicou a Av. Praia de Belas; foi o hipermercado BIG e o Barra Shopping Sul que foram obrigados a construir habitações e transferir as famílias que moravam na área do empreendimento, além de duplicar a Av. Diário de Notícias. Todas estas obras tiveram um impacto - além de área construída - muito menor que o megaempreendimento do Grêmio/OAS. Alguém pode me explicar porque além de isenções fiscais e doações de terrenos, eles não precisam se preocupar com o impacto e obras no entorno? Está na hora de romper com este silêncio que beira o ridículo, e dizer em alto e bom som: é o Grêmio/OAS quem deveria se preocupar em fazer as obras do entorno, pois são eles que vão usufruir das vantagens de localização e ter gordos lucros, enquanto o ônus/prejuízo está ficando com todos. Criticar os Clubes de Futebol e o Grêmio neste caso específico não é só para quem torce para o adversário, mas para quem realmente se preocupa com o direito à cidade. É direito à Cidade, não direito do Grêmio ou do Inter. Ponto.

domingo, 22 de abril de 2012

A Veja e a classe média



Como toda pessoa com um mínimo de neurônios funcionando, também tenho me divertido com o fato de a revista Veja estar atolada até o pescoço no tal "escândalo Cachoeira". E, não posso negar, também vejo (com o perdão do trocadilho) meu sentimento de vingança aflorar: mais um bando de moralistas que se enrolam com sua própria (falta de) moral.

Mas não estou escrevendo este post para tripudiar sobre a editora Abril, seus pseudo-jornalistas e comparsas no DEM/PSDB; a questão aqui é outra. Muitas das análises encontradas na Internet atualmente vão no sentido de dizer que agora que a Veja foi desmascarada, os leitores (e anunciantes) vão começar a abandonar a revista e seu destino é a decadência, já que a classe média finalmente verá que a Veja mente e manipula informações. Pois bem, acredito que esta via de análise está equivocada.

Vou começar com duas citações. A primeira de Hobsbawn, descrevendo e analisando o crescimento da classe média européia no final do século XIX:
O principal objetivo da "nova" pequena burguesia era o de demarcar tão nitidamente quanto possível a distância que as separava das classes operárias - objetivo que geralmente as inclinava para a direita radical, na política. Sua forma de esnobismo era a reação. Eric Hobsbawn. A Era dos Impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, pág. 255.
Agora, Bolivar Costa, analisando a classe média no início dos anos 1970 no Brasil. Sintomaticamente, o nome do capítulo onde está a citação abaixo chama-se "Os manipuladores manipulados":
Politicamente, este segmento é reacionário, pois enquanto de um lado, combate o que considera a voracidade da grande burguesia, de outro, demonstra horror pânico a todas as posições ideológicas mais ou menos comprometidas com qualquer projeto de reordenamento da sociedade capaz de favorecer as massas. Tanto a espoliação monopolista quanto a agitação operária não passam, a seus olhos, de conseqüências diretas da incapacidade dos governantes, da improbidade administrativa e da inoperância burocrática. Como, porém, as administrações se sucedem sem que se viabilize uma recomposição do poder em seu benefício, aceita com naturalidade governos fortes, capazes de coibir a demagogia, o malbaratamento da coisa pública e a subversão, mas também de reprimir a "ganância" dos monopólios. Contribui, desse modo, para criar as condições políticas necessárias às intervenções das cúpulas militares. Bolivar Costa. O Drama da Classe Média. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974, pág. 53.
Não é interessante? Ambas citações, apesar de focarem acontecimentos com mais de 100 anos de diferença, parecem se encaixar perfeitamente com o leitor médio da Veja. E é esta a questão: A Veja não faz sucesso porque manipula a informação e engana os leitores: ela faz sucesso porque escreve exatamente o que um amplo segmento dos extratos médios não só pensa, mas como quer ler e ouvir. Se a Veja por um milagre fechar as portas, simplesmente será substituída por uma outra revista com o mesmo "conteúdo". Aliás, candidatas não faltam atualmente no Brasil.

Quanto aos anunciantes, é uma questão de mercado: a classe média já estabelecida é uma grande consumidora; portanto eles anunciam onde os potenciais compradores de seus produtos estão: na Veja. Simples assim. Só abandonarão a revista se os leitores começarem a migrar para outra, semelhante ou mesmo pior (sim, isto é possível) que a atual.

Há mais um elemento aí, além do histórico reacionarismo desta ampla parcela da classe média. Esta sempre foi, no Brasil, numérica e percentualmente limitada: o processo de acumulação de capital que resultou na industrialização do século XX era limitado e baseado numa "acumulação primitiva" que foi ao mesmo tempo exploradora de mão-de-obra e concentracionista: criou-se uma classe média consumidora que até a crise do Petróleo da década de 70 era suficiente para manter a acumulação funcionando no País. Hoje, a situação é diferente: a acumulação passa pela incorporação de novos consumidores: é a tal da nova "Classe C", estrela de tantas análises atuais. Ora, estes novos consumidores "ameaçam" a posição da velha classe média: compram carros e engarrafam as ruas, lotam os aeroportos e shoppings, compram casas e apartamentos fazendo explodir a especulação imobiliária, etc. A velha Classe Média, que sempre se achou "elite", agora é confrontada com a realidade: nunca foi casta superior; qualquer processo de expansão econômica faz um monte de gente "inferior" agora ter renda compatível com a dela. É fácil perceber porque muita gente adota as mesmas posições fascistas da revista Veja: estão se sentindo ameaçados pelo "lulismo de resultados" que incorporou milhões ao capitalismo como consumidores, não só como exército industrial de reserva (como era antes). É só olhar as reclamações: "Que horror! Não consigo mais empregada doméstica" e outras barbaridades.

O contraditório disto tudo é que a ascensão da nova classe média, apesar de incomodar a velha, é a semente (exatamente por ser classe média) de um futuro conservadorismo. Ser classe média é isso: querer conservar seu status de consumidor na sociedade e invejar os verdadeiramente ricos: a burguesia. Medíocre, não? E irônico também, não? Foi preciso um presidente operário e um Partido dos Trabalhadores para destrancar e fazer avançar a acumulação de capital no País. Para desgosto e inveja da classe média. E da revista Veja.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Acadêmicos "radicais"

Slavoj Zizek, como sempre, não deixa pedra sobre pedra:
A grande maioria dos acadêmicos "radicais" da atualidade silenciosamente conta com a estabilidade de longo prazo do modelo capitalista norte-americano, tendo como seu maior objetivo profissional uma posição de trabalho segura (um surpreendente número deles até aplica na bolsa de valores). Se há uma coisa de que genuinamente têm medo é uma mudança radical no modo de vida (relativamente) estável das "classes simbólicas" nas sociedades ocidentais desenvolvidas. Seu excessivo zelo politicamente correto quando estão lidando com sexismo, racismo, exploração dos trabalhadores, e assim por diante, é, portanto, no final das contas, uma defesa contra sua mais profunda identificação, uma espécie de ritual compulsivo cuja lógica oculta é: "Falar o máximo possível sobre a necessidade de uma mudança radical, para nos assegurarmos de que nada realmente vai mudar!".
Slavoj Zizek: Às portas da revolução: escritos de Lênin de 1917. São Paulo: boitempo, 2005, pág. 178-9